terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Restauro de uma BAUER - Postagem 31



Muitas vezes nos questionam como as máquinas nos chegam e, podemos dizer, algumas de forma inusitada ou até surpreendente. 
Dentre tantas, certamente a mais inesperada das vezes foi quando uma senhora nos interpelou, entre milhares de transeuntes numa feira de rua, se não queríamos comprar uma antiga máquina de costurar... Acredito que há uma atração telepática, uma comunicação entre mentes afins, que excedem os limites da percepção ordinária entre pessoas.
 
O presente restauro também ocorreu inesperadamente, pois ao visitarmos a pequena cidade de Ita-SC, fomos conhecer o Recanto do Balseiro, a convite de um novo amigo. Lá nos surpreendemos com a existência de um museu particular e com o admirável conhecimento histórico da cidade demonstrado pelo proprietário.

Ao saber de nossa oficina de restauro, ele nos confiou a antiga máquina de costurar, marca BAUER, que pertenceu à sua mãe, para análise de possível restauro.

A partir de pesquisa, constatamos que ela foi fabricada por Gebrüder Weyersberg, indústria fundada em 1º de janeiro de 1787 pelos irmãos Wilhelm, Peter e Johann Ludwig Weyersberg, na cidade de Solingen, região de Dusseldorf, na Renania do Norte (Alemanha).

Uma das antigas “portas” e a Praça do Mercado (Marktplatz) em Solingen (Wikipédia)
Diversas forjas de renome estão instaladas há séculos na cidade, fabricando espadas, facas, tesouras e navalhas, com aço de esmerada qualidade. Desde a Idade Média, Solingen foi titulada como "Cidade das Lâminas". Foram encontrados restos de fundições, remanescentes da época romana nos arredores da cidade. As espadas de Solingen foram usadas em vários reinos, assim como Anglo-Saxões e Ilhas Britânicas e hoje, estima-se que 90% das facas do país sejam ainda fabricadas na cidade.

A qualidade do aço ali produzido permitiu a construção da Ponte de Müngsten, (em 1897), a mais elevada treliçada da Alemanha, com 107m de altura, ligando Solingen a Remscheid
Ao investigar com minúcia a máquina (análoga à Vesta) observamos que estava quase completa, porém com mecanismo encravado e todas as peças “móveis” enferrujadas, como um bloco único.  

A máquina, quando recebida
Porem, apostamos no êxito do restauro e, arduamente, fomos desmontando sua mecânica, iniciando pelo mecanismo da fronte.   Verificamos ali que a situação real era pior que a estimada.  Os eixos verticais e seus acessórios estavam solidamente encravados.  Ninhos de insetos e resíduos de infiltração de água completavam a desditosa análise.

Oxidação do cursor da regulagem do ponto e mecanismo da fronte com ninho de insetos
Dentre outros obstáculos vencidos, a retirada dos eixos verticais da fronte exigiu maior dedicação, sendo removidos somente após sequentes e exaustivos choques térmicos e dinâmicos. Por três dias trabalhamos para desmontar todas as peças apenas deste conjunto funcional.

Além de todo o conjunto motriz da fronte e superior, a parte inferior também se encontrava travada por grave oxidação. Vários parafusos romperam-se ao serem retirados, seus restos foram removidos, locais e sedes foram refurados, suas roscas refeitas, e novos instalados dentro dos padrões da época.

Embora árduo, o sucesso do desmonte foi positivo ao verificar que seriam poucas as peças antigas que necessitariam ser adquiridas ou executadas (onerosas), pois a maioria foi reutilizada após aplicação individual de desoxidante, retorneamento ou polimento e adaptação.

No total, cerca de uma centena de peças foram preparadas para proporcionar um funcionamento geral do mecanismo, embora certamente não volte a costurar, graças às folgas naturais decorrentes da idade.
Algumas peças restauradas e já prontas para montagem
Apenas o fixador da agulha, regulador de tensão do calcador (patinha), “pneu” do rebobinador e mais algumas poucas peças e parafusos foram substituídos, além de aquisição de material básico para os serviços.

Mantivemos a pintura original, após limpeza, pequenos retoques e polimento, pois ela revela alguns desenhos (florais) que merecem ser preservados. Temos como princípio manter a originalidade das peças, oferecendo à máquina um aspecto semelhante ao de seu auge quando em nobre atividade de costurar.

A base de madeira foi reestruturada, com material semelhante ao utilizado na época, com tratamento anti térmitas (cupins), mantendo ao máximo suas características originais.
Ressuscitada, linda e imponente
Assim como em todas as máquinas antigas, devem ser evitados manuseios inconvenientes, resguardada de intempéries, necessitando apenas de leve movimento periódico e lubrificação anual.

Temos certeza que esta máquina de costurar terá um lugar de destaque numa vitrine no seu exemplar museu particular, ao lado de centenas de outras

E, ao iniciar mais um ano cristão, compete-me augurar que os governantes ofereçam melhor dedicação à preservação histórica, apoiando entidades museológicas e acervos particulares, para que nossos descendentes possam conhecer tantos objetos, instrumentos e utensílios que significaram o alicerce de nossas famílias, urbes, indústrias,... bases da tecnologia atual.



Darlou D’Arisbo

restauro.antique@yahoo.com.br