quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Nobres Silfos Vadios - Publicação 21

 

Nesta postagem, o Museu de Antigas Máquinas Manuais de Costurar (MAMC), declina do frio âmbito da interpretação ferramental e mecanicista,  passando a navegar por um mar mais poético, entre as tangíveis falésias do conhecimento e os místicos e etéreos horizontes.  Apenas uma tardia e adocicada pausa entre as tantas anteriores sóbrias publicações.

“É vedada a utilização de quaisquer informações aqui contidas,  para fins  lucrativos ou comerciais, sem autorização expressa de seu curador, sob pena de indenização judicial.”

Historicamente,  o Museu  de  Antigas  Máquinas  Manuais  de  Costurar, iniciou como todos os acervos particulares: com uma peça, depois outra e mais outra...

Eu e as máqs Cinco décadas acervaram mais de um século

Hoje, com mais de duas centenas de máquinas de costurar, registrado no MinC, é um sólido banco de dados da evolução mecânica e integração social deste importantíssimo ferramental no desenvolvimento humano.

24 Howe A tangibilidade da história mecânica

Neste acervo de antiguidades, tenho mais que a tangível apresentação de um dinâmico e exaustivo trabalho em centenas de históricas peças: uma dedicação insistente de mais de meio século, no tempo que justificou grande parte de minha própria existência.

P9032197Mais de um século se faz presente

Significa-me algo como a eternidade. A qual, como a continuidade da imagem presente daqueles notáveis humanos, agora já etéreos, desde os que projetaram e construiram, até os que tanto manipularam tais objetos. Suas vivas mãos, seus músculos e pele, marcaram e gastaram os rígidos materiais que os compõem. Encontraremos ainda restos de suas mãos nos botões e manoplas das máquinas de costurar, escrever, moer,...

DSC00007Um relato atual do pretérito exposto

E também elas peças, parecem manifestar um patente e curioso humor...  Por vezes recusam-se a serem consertadas. Encravam seus parafusos, emperram suas engrenagens, suas madeiras atraem térmitas cupins, rompem-se, deixam-se cair... Outras vezes, ao contrário, oferecem-se emitindo sons rangidos, reflexos de luz,... Vivem seus instantes de agudas crises depressivas, ou momentos de alegria e prazer, tentando aos seus modos, as mais inacreditáveis demonstrações de existência.

Weed I  Sonoramente, rompem-se marcando suas presenças

Sinto nelas, as presenças de seus passados usuários, em constante e silenciosa miragem.  Descem dos céus, por talvez saudades de seus caseiros objetos, no silêncio das noites escuras, e vem aqui costurar suas vestes de nada…

20 HoweA época da maestria das mãos 

...ou soprar as vagas brasas dos frios ferros de passar, moer fantasiosos grãos de café torrado, fazer quirera de milho para alimentar pintos ausentes.

DSC00601 Convertia sementes em quirera

Pé ante pé, silenciosamente na madrugada fria, chega o Major, meu saudoso pai.  Em augusto segredo, sem o menor ruído e com muita delicadeza, toma a sua antiga e reluzente espada, desembainha-a e afaga-a como a um manhoso gato.  Lustra-a e, satisfeita a saudade, guarda-a no lugar. Algumas vezes esquece-a sobre a mesa, distraído a observar, na miscelânea da parede, o relógio da vida de alfaiate, de seu pai.

DSC00598Os tempos dos Ford T,  Melindrosas, Einstein…

Distraídos, quiçá como eram em vida, por vezes marcam suas estadas: dão corda nos relógios de parede, esquecem armários abertos, mudam coisas de lugar...

Outras vezes, reúnem-se ao coincidente acaso, várias fantasmagóricas criaturas. Descem e voltam ao nosso mundo para contar causos, lembrar histórias em graves sussurros e dissimulados sorrisos, em efêmeras e merecidas ausências celestes.  Ou até, em negligente ousadia, correndo o risco de flagrados serem, ao me acordar por um ruído, beijam os meus sonhos, no adormecido filho vivo.

por de sol 1 Uma manifesta consagração divina

Abençoam os “sonos” da vida e, sem rufar de asas, voltam contentes ao mesmo celestial silêncio dos céus.

Enfim, são eles os proprietários.   Eu, apenas efêmero depositário e fiel guardião.

armaduraMortal e devotado guardião

Eles continuam donos perpétuos de suas coisas. Sempre usufruiram seus estimados objetos, seus pertences...  Sempre viverão suas peças.   E eu os vejo nelas.

“Diariamente, praticarei o bem, em toda a sua extensão e por apenas um dia. Afinal, eu me desanimaria se pensasse em praticá-lo por toda a minha vida.” (13º Mandamento da Serenidade)

(Darlou D’Arisbo / excertos das memórias históricas / 22 de março de 1986)