Desta vez recebemos uma máquina antiga bastante
curiosa, não pelo seu sistema mecânico, bastante semelhante à Haid Neu ou à
Clemens Muller, mas sim pela dificuldade de confirmar sua fabricação.
Alguns detalhes nos despertaram insólito interesse,
como uma plaqueta de identificação, a qual após limpa e polida, apresentava,
além de um logotipo desconhecido, a legenda “marca registrada” em perfeito
idioma português. E, mesmo após várias
diligências, não conseguimos decifrar sua origem.
Seu material construtivo, (aço de baixa
resistência), aliado à visíveis rebarbas de fundição também são
particularidades que induzem à uma fabricação sem tender à qualidade.
Mas, concordamos que tais características compõem sua história e
exalta sua raridade.
A máquina quando recebida
Conforme sua estética e sistema mecânico,
concluímos ter sido fabricada no início de 1900, ainda que de desconhecida
origem. E embora muito oxidada, com
mecanismo encravado, apostamos no sucesso do restauro.
Os componentes mecânicos externos; volante,
rebobinador, reguladores,... estavam travados, apresentando alto grau de
oxidação. Com decorrente dificuldade e
rigoroso cuidado fomos desmontando suas partes.
Conferimos então, que o sistema interno, assim como todas as
engrenagens, eixos da fronte e todo o mecanismo inferior estavam em similar
estado.
Completamente oxidada
Sua base de madeira, já abundantemente remendada,
apresentava evidência de ataque de térmitas (cupins) e várias dezenas de pregos
que se rompiam ao serem retirados. Tais
embaraços consistem em certeza de sucesso na pertinaz dedicação, baseado no
encontro de soluções já conhecidas.
Assim, suas partes comprometidas pelos insetos foram embaladas e
colocadas em freezer, a dezoito graus negativos por três dias, o que consiste
no único procedimento comprovadamente aniquilador de térmitas. A montagem desta base de madeira requereu
excertos e ajustes para entrar em “esquadro tridimensional” e acomodar a máquina. Depois, preenchimentos de algumas grandes
falhas, lixamentos, aplicação de selador e leve envernizamento, sempre mantendo
as históricas marcas da idade.
Partes da base de madeira antes de irem ao freezer
A parte mecânica teve muitos capítulos em sua longa
novela, pois a cada etapa encontramos dezenas de flagrantes alterações
erroneamente instaladas por falsos “experts”:
Muitos parafusos que estavam enfiados em roscas
diferentes, exigiram a execução de novos, envelhecidos a fogo, tendo refeitas
as suas roscas fêmeas.
Originalmente, o eixo do volante era micrometricamente
excêntrico e fixado por parafuso regulador radial, para ajustar o perfeito
encaixe entre as engrenagens motrizes. Mas estava com seu topo interno “remanchado”,
alargado a golpes de martelo. Tal
indiscernida e grosseira solução havia produzido uma preocupante trinca no
frágil bloco estrutural.
Ficamos a imaginar por qual preguiçoso motivo não
teria sido colocado um parafuso fixador, cujo orifício (rosca) ali estava lá,
vazio e disponível.
Topo “remanchado” a martelo (1). Trinca e falta do parafuso fixador do eixo
(2),
Em outro memorável episódio, após executar um novo
suporte para agulha, com parafuso de orelhas, milimetricamente semelhante ao
original e instalá-lo, surpreendemos com a grande diferença de alinhamento
entre a diretriz da agulha e o orifício do calcador, a uns 4mm de onde ela
deveria entrar. Neste restauro,
preferimos polir o eixo da agulha sem retirá-lo, para não correr o risco de
fraturar a delicada "manivela" de seu acionamento (no encontro com o eixo horizontal), lubrificando-o
após, até conseguir o seu perfeito funcionamento de “vai e vem”. Pois o eixo vertical estava instalado girado
a 180º. Sem outra opção fomos obrigados
a desmontar o frágil sistema mecânico da
fronte, para resolver a correta posição do eixo e da agulha.
Dentre mais alguns, encontramos um pedaço de lâmina
de serra meio enfiado no eixo da manopla, para diminuir-lhe a folga... Algo como "cunhar" um cabo de enxada em seu olhal...
Pedaço de serra enfiado no suporte da manopla de acionamento
Mas o trabalho de restauro revela estas nuances,
embrenhadas em seu escopo, ora burlescas e difíceis, ora admiravelmente toscas.
Então, tais narrativas passam a compor e ilustrar a história do objeto.
No sistema mecânico inferior também algumas peças
estavam faltantes e foram executadas, como o limitador de curso do regulador de
ponto, fixador da alavanca da carretilha,... Reguladas e instaladas,
demonstraram bom funcionamento.
Na parte externa também outras foram executadas:
“botões” de regulagem do ponto, fixadora da mesa (recartilhados), manopla de acionamento,
parafusos especiais,...
Foram-lhe aplicadas demãos de esmalte sintético
preto brilhante, sobre fosfatizante. Evitamos a aplicação de massa niveladora,
para manter suas nobres marcas de idade.
Finalmente, incorporamos um antigo carretel de
madeira, original da época, e uma carretilha no rebobinador. Ambos com linha
colorida para reduzir-lhe o austero aspecto monocromático.
Seu funcionamento apresentou perfeição, embora suas
folgas e marcas da idade dificultem a ação de costurar. Passará
a representar a sua história, solenemente sóbria, tal um objeto de apreciação,
uma homenagem tangível e presente de seu glorioso passado.
A ilustre maquininha funcionando sonoramente, restaurada dinâmica e solene.
A exaustiva e longa atividade de restauro é sempre
recompensada, durante a execução, pelas surpresas em cada episódico capítulo e,
ao final com a cativante e tangível presença dinâmica de uma bela página
histórica da evolução humana aplicada.
Prof. Darlou D’Arisbo
museumaquinascosturar.blogspot.com.br
Parabéns, Darlou, por mais esta restauração que trouxe a luz toda a beleza dessa intrigante máquina de costura. Foi interessante observar que, apesar da falta de habilidade do antigo "restaurador", não foram medidos esforços e criatividade (ainda que tosca) no conserto da máquina.
ResponderExcluirRebeca
Agradeço-lhe, Rebeca. Tais desafios alimentam a busca pela satisfação do resultado. Desculpo-me pela demora na resposta, (uma grande viagem) mas os vossos comentários são sempre agradáveis e bem vindos. Darlou
ExcluirSeu trabalho foi exemplar como sempre . Mas me surgiu uma dúvida. Ela tem o emblema dourado , característico dessas peças. Qual sua marca afinal ? Você não citou no texto .
ResponderExcluirPrezado: Com as desculpas pela demora na resposta. Não descobrimos a marca da máquina. Ela não possui outras inscrições e, tem indícios de que a plaqueta foi afixada no local de outra, removida. Abraço. Darlou
ExcluirQuanta beleza nesta história. 👏
ResponderExcluirBelo trabalho! Tenho algumas aqui e pretendo restaura-las, por gentileza me envia seu contato.Grato
ResponderExcluir"restauro.antique@yahoo.com.br". Uma cirurgia justificou o atraso na resposta. Agradeço
ExcluirCaro , exite alguma forma de saber o ano de fabricação de uma Elgin B3 ? Pois a Singer eu tenho as 3 tabelas de anos de fabricação delas,as pesquisando na internet não consegui achar tal equivalente para determinar a idade das Elgin B3
ResponderExcluirPrezados: A única marca que mantém registro de datas de fabricação é a Singer. Também temos esta dificuldades. Agradecemos pelo contato. Darlou
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