Tudo tem parafusos. Ouvimos até chacotas como "ele tem um parafuso a menos".
Mas a trivialidade do parafuso incita um raciocínio sobre a sua essência. Assim, iniciaremos com uma breve história sobre sua origem.
Atribui-se ao filósofo e cientista grego Arquitas de Taranto, lá pelo ano 400 a.C., a sua invenção, cuja rosca - em espiral - como é até hoje, era útil para prensar azeitonas e uvas, produzindo azeite e vinho.
Em meados de 250 a.C., o conhecido Arquimedes aplicou tais princípios para elevação de água, sistema que Leonardo da Vinci tanto utilizou em seus inventos, no século XV.
Na época do Renascimento, a evolução mecânica influiu também na instrumentação cirúrgica, como a tesoura removedora com eixo diretriz, linhas de corte externas e regulagem da abertura por parafuso. Observe-se que era inserida fechada.
A grande evolução do parafuso ocorreu no último século e, para desalento dos restauradores, os antigos padrões (dimensões, roscas, passos, ângulos, cabeças) não são compatíveis com os atuais.
Assim, ao desmontar uma máquina, é importante preservar seus parafusos. Porem, quando estão corroídos ou até solidarizados na peça, acomodados por muitas décadas e submetidos às agruras climáticas, umidade, falta de manutenção..., a simples tarefa de extração pode transformar-se em irremediável adversidade, com iminente risco de malogro no restauro.
Em nossas quatro décadas de dedicação ao restauro de antigas máquinas de costurar manuais, foram inúmeros casos em que os malfadados e teimosos parafusos negaram-se a sair.
São aplicados desengripantes, chaves de fenda de impacto, alicates de pressão (se há cabeça aparente), choques dinâmicos nos flancos... com repetidas sequências diárias. Obviamente as centenárias máquinas possuem dezenas de parafusos em situação equivalente.
Normalmente eles possuem cabeça cilíndrica e fenda diametral. E, como regularmente são embutidos (à esquerda), a dificuldade para extraí-los fica extraordinária.
Em alguns casos é necessário utilizar talhadeira cega, com impactos na lateral da fenda, sentido anti-horário, ação que pode comprometer a fenda ou a cabeça, inutilizando o parafuso, mesmo extraído.
Quando o sucesso se faz presente, após diversas e longas batalhas, a tal pecinha - mesmo inutilizável - significa um troféu, uma vitória decorrente do árduo trabalho em removê-la. Por segurança, sempre devemos usar EPIs compatíveis com os riscos.
O difícil encontro de similar entre os descartados
Se necessário, limpamos ou aumentamos a fenda com uma lâmina de serra para metais (melhor as de 32 dentes por polegada).
Caso for difícil retirá-lo, as alternativas mais radicais e penosas são duas: a primeira, de seccionar sua cabeça (se saliente) com disco de corte. Assim ficaria mais fácil soltar a peça que ele prendia e torcer o toco aparente.
E, se ainda não houver êxito e o parafuso negar-se a sair (principalmente embutidos ou com cabeça cônica), a segunda tentativa é de aplicar a furadeira e perfurá-lo com broca de aço duro, remover os restos do orifício e refazer nova rosca, com diâmetro pouco maior e com rosca atual. Esta alternativa é válida nas ocorrências de quebra do corpo do parafuso dentro da peça.
Trata-se de um procedimento arriscado, pois o aço do bloco do parafuso é normalmente mais duro do que a peça em que ele está inserido, o que provoca o deslizamento da broca para o terreno mais macio (da peça), que poderá ser comprometida.
Cabeça e rosca atuais
É necessário escolher um parafuso com a cabeça “parecida” com a original, embora a rosca seja minimamente de maior diâmetro e não tenha o mesmo dimensionamento helicoidal, nem sequer a cor do original ou a aparência antiga.
O recurso final é o de converter o novo exemplar num velho perfeito (sem esperar décadas...). Inicialmente executa-se a rosca na peça, como na imagem anterior). Para tanto, utiliza-se um “macho” de abrir roscas, com muito cuidado para não quebrar a peça e nem partir a ferramenta. Lembre-se que o parafuso tipo Phillips só foi comercializado a partir dos anos 40, ou seja, seria uma incongruência utilizar tal cabeça em peça antiga.
A etapa seguinte é a adaptação. Preferimos tornear a cabeça do parafuso com a lima e furadeira, até ficar no diâmetro do antigo, caso deva continuar cilíndrica, porém menor.
Moldado o parafuso às dimensões de seu habitáculo (com paquímetro), passa-se às operações anteriormente citadas (corte, polimento) e depois a “maquiagem” para torná-lo envelhecido.
O procedimento de envelhecimento que utilizamos lembra a têmpera dos ferreiros: pôr o parafuso numa chama até ficar ao rubro e depois mergulhá-lo em óleo preto, por exemplo um refugo de cárter automotivo. Tal ação merece cuidado, pois pode produzir chama e queimadura
Preito de agradecimento:
Em algumas publicações expressamos homenagem a raras pessoas que, consagraram boa parte de suas vidas à nobre causa do restauro e preservação de instrumentos vitais à evolução da humanidade. Na presente publicação rendo homenagem ao ilustre Sr. Daltro D’Arisbo (Museu do Rádio de Porto Alegre), engenheiro, historiador e outros tantos ofícios. Tais méritos constituem o grande orgulho para mim em tê-lo como estimado irmão. Desejamos que o Supremo Criador continue a iluminar as alamedas de sua próspera existência.
Darlou D'Arisbo
Museu de Antigas Máquinas Manuais de Costurar
Muito bem abordado.
ResponderExcluirFico admirando com as belas palavras para descrever tão importante e singelo item da engenharia, e que pela sua simplicidade hoje nos passa despercebido a sua importância.
ResponderExcluirObrigado por comentar os métodos de restauração envolvendo parafusos, certamente será muito útil para iniciantes em restauração, já que é difícil encontrar informações de quem tem realmente conhecimento e prática desta área.
Parabéns.
Fico admirando com as belas palavras para descrever tão importante e singelo item da engenharia, e que pela sua simplicidade hoje nos passa despercebido a sua importância.
ResponderExcluirObrigado por comentar os métodos de restauração envolvendo parafusos, certamente será muito útil para iniciantes em restauração, já que é difícil encontrar informações de quem tem realmente conhecimento e prática desta área.
Parabéns.