sábado, 17 de setembro de 2022

Balança MANAJÓS - Publicação 39

Etimologia e Simbologia:

Balança é um vocábulo originário do latim, formado pela união das palavras bis (dois) e linx (prato) que significa "instrumento de dois pratos".

A literatura cristã cita que São Miguel (o arcanjo do julgamento), pesa a alma dos mortos numa balança nivelada, avaliando os atos dos homens quando em sua vida terrena

 

Arcanjo São Miguel

 Comumente as vemos como símbolo da Justiça, cuja balança da deusa grega Temis, definia o peso das razões de cada ser humano.

Balança é o símbolo do equilíbrio, ou de sua falta, entre as partes. Induz a encontrar a harmônica concordância entre diferentes elementos.

História da fabricação:

A Balança Manajós foi fabricada pelas indústrias Martins Ferreira, fundada no final do século 19, na Lapa, cidade de São Paulo. Grande indústria, com vários prédios e fundição de aço, no bairro da Lapa e no Brás
.
 

Indústria Martins Ferreira – anos 1920 (foto D. Nacimento)

Seu nome (Manajós) refere-se a um ramo do grupo de índios Tupinambás que habitavam regiões entre o litoral sul da Bahia e o Rio de Janeiro no século XVI.

Augusto Martins Ferreira

 

A indústria produziu uma grande variedade de produtos de aço, balanças, panelas, pregos, ferramentas, ... Um dos produtos mais vendidos era ferraduras para os cascos de cavalos, considerando a época em que a principal locomoção era de tração animal. Durante a Revolução Constitucionalista de 1932 a empresa produziu também capacetes e armas para os soldados.

 

Crianças empacotando pregos (1917), quando o trabalho infantil era permitido e 

fazia parte de sua evolução profissional e ética. (foto D. Nascimento)

Ferraduras, a relevante produção para o período. (foto D. Nascimento)

 
A minha balança Manajós:

Descobri esta balança, quebrada em quatro partes, lá por 1980. Estes poucos pedaços foram encontrados em locais diferentes de um mesmo “Ferro Velho”. Ficaram então acomodados em uma caixa, aguardando condições para reconstruí-la. Mas faltavam-lhe partes importantes e alguns elementos mais delicados já haviam sido retirados.

Cerca de 20 anos depois, após uma pré-limpeza, resolvi encaminhar as peças maiores a um soldador para tentar uni-las, mas como eram de aço doce (quebradiço), o serviço foi deplorável, com grossos e feios cordões de solda. Algumas partes ficaram desalinhadas e o conjunto incompleto e mutilado voltou para o depósito. Certamente um serviço mais especializado teria melhor êxito, porém continuaria incompleta e o investimento, impraticável. Assim, ficou sonegado por mais um bom tempo
.

Parte frontal após pré-limpeza inicial e mais uma vez guardada

 

Quarenta anos depois de adquirida:

Agora, em setembro de 2022, ao organizar a reserva técnica, decidi reconstruir a balança. Obviamente, sem a menor pretensão de caracterizar um restauro, apenas tentando preservar sua forma, restabelecendo sua centenária imagem, tão degradada pelos vândalos inconsequentes.
Por medida de segurança estrutural, mantive as soldas feitas disformes, reedificando a estrutura com perfis adaptados, solidarizados com rebites, parafusos ou até resinas bicomponentes (Durepoxi).
Seus pinos de articulação (B), com secção triangular para garantir melhor precisão, eram inseridos a quente nas partes móveis (A), apoiados na estrutura fixa (C). Por este motivo, impediram a desmontagem, exigindo radical corte com remoção e substituição por parafusos.

 

Esquema das articulações existentes


Tal tarefa foi dificultada pela dureza dos pinos, em aço “temperamental”. Assim, as brocas, ao encontrar tal rigidez, desviavam e quebravam. Após muitas tentativas e erros, as peças (oito) foram encaminhadas a um torneiro mecânico, o qual teve os mesmos dissabores, afirmando “nunca vi aço tão duro !” Enfim, após obstinada persistência, conseguimos executar orifícios no lugar dos teimosos pinos para inserção de parafusos.

Braços articulados: (A) ainda com o pino e (B) já removido

Articulações adaptadas com os parafusos, arruelas e porcas

Aos poucos, com persistência e tolerância, fui conciliando componentes invulgares ao conjunto, completando o arcabouço com razoável conformidade e semelhança, parecido com o original.
Sempre tive como firme propósito restaurar os objetos tornando-os com a maior fidelidade à sua originalidade, no esplendor de seus dias de glória, auge de atividade, e mantendo as marcas da idade. Mas a situação presente exigiu radicalidade na solução. Embora parcialmente amputada, voltaria a exibir uma aparência satisfatória.
Alguns pedaços adaptados de perfis metálicos foram sendo incorporados, assim como parafusos substituindo articulações, resinas preenchendo diferenças de encaixes, ..

 

O mostrador, após escovação e tratamento de fundo 

aguardando desmontagem, troca de vidros e 

nova agulha indicadora de nivelamento.

Embora muito danificada, corroída pela ferrugem, foi escovada no torno e submetida a aplicação de desoxidante. Apesar de não ser a cor original, para camuflar falhas e preenchimentos, foi aplicada pintura sintética de cor preta. Alguns detalhes em baixo relevo foram levemente preenchidos com resina e pintados em cor alumínio.
Um emblema metálico em baixo relevo com símbolo da empresa, encontrado entre os pequenos destroços, foi copiado em negativo e moldado em resina, coberto com filme de alumínio. Assim como tantas outras partes, sua estética deixa a desejar, mas acredito que atende ao propósito de mera aparência.
 
Concluída e exposta em nosso acervo
Finalmente, após uma semana de dedicação, entre diversos momentos com ameaças de desistência, num adverso mar de dissabores e sempre agravado pelas dimensões e teimosia nos encaixes, presumo ter conseguido recuperar a dignidade daquele centenário instrumento que foi utilizado por gerações, com precisão.
Esperamos que esta Manajós, ressurgida em pedaços das trevas da sucata e, após quatro longas décadas de espera, agora integra a nobre família das preservadas, sempre na intenção de que as futuras gerações, em seus sentidos fisiológicos (ver, tocar, ouvir,...) tenham a oportunidade de saciar sua curiosidade de maneira tangível, não apenas virtual. 

Gratidão: 

Inicialmente ao Supremo Criador, que oportunizou esta possibilidade e proporcionou-me condições de dedicar-me a tal tarefa.
Também aos 270.000 visitantes de nossas humildes publicações, oriundos dos mais recônditos locais do mundo. Eles encorajam nosso entusiasmo em continuar restaurando, preservando e acervando estas peças para o conhecimento dos que nos sucederão.
Finalmente, desejamos expressar nosso penhorado agradecimento ao jornalista e fotógrafo Douglas Nascimento, emérito pesquisador, presidente do Instituto São Paulo Antiga e membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo pela gentileza de permitir a utilização de suas oportunas imagens e elucidativas informações.

Prof. Darlou D'Arisbo