quinta-feira, 17 de novembro de 2011

New Home Sewing Machine - Publicação 9

O Museu de Antigas Máquinas Manuais de Costurar (MAMC) apresenta, nesta 9ª publicação,  relato sobre a Indústria New Home, de máquinas de costurar. 

As publicações anteriores referiram-se a: 1.Identificação do Museu; 2.Colecionador; 3.Importância da Máquina de Costurar; 4.Precursores e outros pioneiros; 5.Restauro; 6.Acervo; 7.Máquinas Infantís de Costurar e 8.Histórias, Causos e Fotos.

New Home Sewing Machine Co.

Thomas White, fundador da indústria, construiu sua primeira máquina, conforme relatos, em 1870, a que ele denominou “New England”.

A New Home Sewing Machine Co. foi formada em 1876 em Orange, New Jersey, embora em alguns “Instructions Book” (manuais de instruções) conste 1860, em plena época da acirrada batalha entre os fabricantes pela liderança no mercado e garantia de patentes.

A próspera indústria produziu também agulhas e peças para outras fábricas. E, em 1880, sua propaganda informava que era “A melhor máquina já feita”, frequentemente citada como “light running New Home.”

N Home gravura Propaganda de jornal (abril de 1889)

Em 1884 a produção atingiu 500 máquinas por dia, incluindo outras marcas secundárias (New National,..) e, entre 1906 e 1907, a produção foi de aproximadamente 150.000 máquinas, sempre utilizando o logotipo do “Galgo” (cão de pernas compridas, ágil e veloz).

N Home OIL  Mapa de lubrificação (1900)

Os manuais profusamente ilustrados, permitiam às usuárias (iletradas ou com dificuldade de tradução), interpretar suas funções, manutenção e lubrificação.

Por volta de 1920 a empresa começou a perder terreno em relação aos concorrentes, em 1930 a Free Sewing Machine Co. assumiu seu controle, e a indústria instalou-se em Rockford, Illinois. Cerca de 7 milhões de máquinas New Home estavam em uso em 1937.

N Home 348 287  New Home 1883 (acervo do autor)

Vários modelos foram produzidos, inicialmente manuais, alguns com elegante móvel para guarda dos acessórios. O modelo 914, embora manual, possuia um pedal de segurança, o qual deveria ser acionado para girar a manopla.

Embora construídas em aço de baixa resistência (vulgarmente denominado “ferro maciço”), seu corpo era elegantemente acabado, ornamentado com detalhes dourados e prateados.

N Home s n New Home 1890 (acervo do autor) 

O que atualmente seria hilariante, um vistoso certificado acompanhava a máquina, oferecendo garantia por VINTE anos, o que lhe conferia robustez e funcionamento por mais de meio século.

New Home Garantee  Certificado de Garantia por 20 anos

Realmente, sua solidez é confirmada pelas máquinas acervadas pelo MAMC, as quais exigiram pouco restauro para seu funcionamento. Sempre lembrando que procura-se restituir seu aspecto de quando em utilização.  Vide Publicação 4, “o objetivo do MAMC é relato histórico, permitindo que as máquinas de costurar demonstrem suas características de utilização”.

N Home 2 732 601  New Home 1907 (acervo do autor)

Em 2008, recebemos a doação de uma New Home elétrica, fabricada em 1949. A parte mecânica estava perfeita, com pintura original, decalques... Necessitou apenas limpeza e lubrificação.

DSC05894  New Home 1949, requintada e preservada

maq2 009 Decalques alusivos às premiações (medalhas de ouro)

Porém o lindo móvel de madeira estava infestado por cupins. Os detalhes desta infestação e combate foram descritos na Publicação 5 -Cupins (terror dos colecionadores e restauradores)”.

Cupim 1  A infestação ocupou toda a parte de madeira

DSC05896 O móvel, após completo restauro

New Home  RUI Capa do Manual de Utilização desta New Home

A Indústria New Home encerrou sua produção com último registro de fabricação em 1955.

O Museu de Antigas Máquinas de Costurar – MAMC agradece por toda e qualquer comentário ou crítica que possa auxiliar na pesquisa e preservação destes importantes instrumentos mecânicos.

Singercostureira

“A memória consiste em muito mais do que apenas uma lembrança de fatos, ações ou coisas. Significa sim, uma doce e agradável viagem para um mundo intemporal, onde a vida se perpetua na presença de objetos que fizeram parte da existência de pessoas que já se foram...

Não seria exagero afirmar que a memória histórica é um universo mágico, onde se perde o peso, ao levitar nas tantas informações transmitidas pelas peças de um querido acervo (Darlou D’Arisbo).”

Até a próxima.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Histórias, Causos e Fotos – Publicação 8

 

O Museu de Antigas Máquinas Manuais de Costurar (MAMC) apresenta, nesta 8ª publicação,  relatos que acompanham a história de algumas máquinas e outros causos. 

As publicações anteriores (1 a 7), referiram-se a: Identificação do Museu, Colecionador, Importância da Máquina de Costurar, Precursores e outros pioneiros, Restauro e Acervo, Máquinas Infantís de Costurar .

São poucas as máquinas que chegam ao museu com suas histórias, motivo pelo qual desejo publicar estas exemplares, digníssimas representantes vivas de um meritório trabalho que alterou a importância da mulher nas lides domésticas.

A confecção doméstica incorporou, além da sua finalidade básica de proteção, uma presença estética, acessibilizando e materializando a cor e a forma, na apresentação às suas comunidades e entre elas.

Além dos enfoques sociais, a inclusão desta nova lide doméstica causou notável mudança dos hábitos de trabalho, com resultados agradáveis e práticos. A introdução deste procedimento, foi concebido também como um lazer, o que promoveu, nas senhoras, um desenvolvimento de raciocínio lógico, com os exercícios aritméticos (combinação de medidas físicas) e interpretações de soluções espaciais (imaginário de modelos e soluções tridimensionais), além de distinta fonte de renda, antes propriedades distintivas masculinas.

  Foto Hist MáqsFoto de família americana (1899), ressaltando a máquina de costurar e os trabalhos executados   

        Carolin Burton 

Gravura de Carolyn Burton, em 1907 (The Story of an American Home), retrata a mãe costurando as vestes para o batismo do filho (no berço), em devaneio a imaginá-lo futuramente aplaudido no Congresso (à direita). 

O ponto comum em todas as histórias que acompanharam as máquinas que recebi, relatam com destaque esta flagrante importância, realçada com sentimentalista satisfação.

Gritzner propagAs propagandas da época aproveitavam o entusiasmo feminino e exaltavam as qualidades das máquinas, como deste modelo alemão, veiculada na imprensa italiana.

Como ressaltei no início, relato algumas histórias e casos:

“Surpresa aérea”

Há mais de quinze anos, uma senhora residente no interior de São Paulo mandou-me carta, relatando que possuía uma antiga máquina de costurar, marca Noiva, pertencida à sua avó e que desejava vendê-la. Informou ainda que soube de minha coleção através de um parente que trabalhava na Singer do Brasil.

Com base nas informações citadas respondi que a máquina deveria ser preservada na família dela, considerando ainda seu declarado perfeito estado e sendo o valor pedido muito alto para meus interesses.

Dias depois, recebi um telefonema do aeroporto da cidade, informando que alguém havia deixado lá uma caixa para mim.

Para minha surpresa, era a máquina de costurar, uma bela “Noiva” (fabricada pela Dürkopp-Werke AG, no início do século XX, com este nome para exclusiva exportação ao Brasil), em gentil doação. 

DSC05781 Máquina “Noiva” (Dürkopp-Werke AG)  

DSC05782 A “Noiva” com o baú de proteção

 

“Do lixo para a glória”

A maquininha infantil Müller (Model 14), fabricada em Berlin em 1920, foi encontrada por um transeunte numa sarjeta em Curitiba, no ano de 1991. Após passar de mão em mão e tendo esta história preservada, chegou-me em doação dois anos após.

Somente em 2010 consegui sua perfeita identificação pelo Early Toy Sewing Machines – Glenda Thomas.

Não necessitou de restauro, foi apenas realinhada (algum carro a teria amassado levemente) e recuperado seu funcionamento.

Foi preservada sua aparência e a caprichosa história.

DSC05778 A pequena (18cm) Müller infantil 1920

 

“Nonagenária robusta”

A máquina Singer (nº G 960784), fabricada em janeiro de 1921, em Elizabeth – New Jersey, foi adquirida nova pela Sra. Julia Trevisan Galletti, de São Paulo, logo após seu casamento, para confeccionar o enxoval do primogênito. A filha herdou a máquina após seu falecimento. Sempre em eficaz desempenho, a máquina foi-me doada pela sua gentil neta, em maio de 2011.

Com noventa anos de idade, a máquina não necessitou de restauro, apenas limpeza, regulagem e lubrificação.

As palavras da doadora: “Hoje estou muito satisfeita por saber que esta máquina fará parte do acervo” caracterizam o remate feliz de sua longa história.

DSC05780Singer 1921

 

“Saudade tangível”

Em meados de 1980, um idoso senhor procurou-me para vender uma máquina de costurar. Era uma Jones Family C. S., inglesa, fabricada em 1917. Ao vê-la, surpreendi-me pelo seu impecável estado. Estava simplesmente nova, incluindo um “selo” da loja vendedora.

Questionei-o quanto aos motivos pela guarda de tal imaculada máquina por quase setenta anos. Informou-me emocionado, que preservou todos os pertences de sua esposa, falecida logo após o casamento, naquela época. Dentre os pertences, conservou até o vestido de noiva!. Tomado de grande admiração pelo seu inusitado ato, paguei-lhe o equivalente à outra, semelhante, nova, para sua satisfação.  No ano seguinte ele faleceu.

Obviamente, a ilógica comparação financeira, jamais traduziria o valor sentimental incutido no seu sublime ato de preservação.

Jones Jones Family C. S

 

“Quatro esposas e uma nora”

A máquina de costurar, Junker & Ruh, nº de série 132669 (1889),  foi adquirida em São Rafael (1890), vilarejo de São João do Polêsine/RS, para a primeira esposa do Sr. J. Felipetto, imigrante italiano.

Ele ficou viúvo por três vezes e suas quatro esposas utilizaram a máquina para as necessidades da família (vestimentas, roupas de cama, cortinas, toalhas,...até chapéus de palha de trigo). A nora da última esposa, demonstrando pendores para a costura, herdou a máquina.

Relatam que a máquina era considerada uma “relíquia viva”, exclusivamente utilizada por aquela que detinha sua posse. Em 1996, a máquina foi-me doada.

Sua manutenção ao longo dos anos de uso foi tão perfeita que, mesmo após 130 anos, continua em funcionamento, sem requerer restauro.

DSC05784 Junker & Ruh,1889

 

“Linda menina com mais de meio século de idade”

Num longo vôo Londres – Rio de Janeiro, mantive extensa conversação com uma senhora, paulista, que sentava ao lado. Eu retornava de curso em Eastbourne, ela voltava das férias pela Europa. Ao falarmos de museus, inclui minha coleção de antigas máquinas de costurar. Perguntou-me ela se eu não colecionava também as infantis, também muito comuns naquela época áurea. Respondi que ainda não, simplesmente por que nunca houvera oportunidade. Afirmou-me que possuía uma, marca Bambi, em gabinete de madeira. Complementou, afirmando que há meio século, no seu nono aniversário, ganhou do pai. Porém, na mesma época a mãe havia comprado uma, obviamente mais completa, grande, maravilhosa e sedutora.  Assim, ela abandonou guardada a “Bambi” e aprendeu a costurar na máquina da mãe.

De maneira direta, perguntou-me se eu gostaria de recebê-la em doação! Ficou claro que eu não acreditei na eventual conversa de bordo, e esqueci o assunto.

Mas, em menos de um mês, para minha inesperada e magnífica surpresa, recebi pelo correio, a linda maquininha, perfeita tal nova.

A pequena Bambi foi a primeira “menina” da coleção atual de mais de cinquenta máquinas infantis de costurar.

P9190008  A “menina Bambi”, aberta

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  A Bambi fechada

 
“Quase um século de trabalho sem aposentadoria”

Em 1990, fui procurado por uma simpática senhora, já idosa, que desejava vender sua máquina de costurar, pois que estava inutilizada.

Informou-me que a havia adquirido já usada, há cerca de 40 anos e sempre costurou perfeitamente, porém passou a falhar muito e quebrar agulhas. Vários técnicos teriam tentado em vão consertá-la, porém, já velha e desgastada, só restava vendê-la a um colecionador.

Observei, entretanto que aparentava estar muito bem conservada, com pintura e detalhes ainda originais.

Era uma Vestazinha (Fabricada por L.O. Dietrich, em 1920, nº 1644317), a qual adquiri e guardei para posterior análise.

Anos após, desmontei parcialmente a máquina. Ao conferir o sincronismo do ponto (momento em que a agulha leva a linha superior até “laçar” a inferior) descobri o singelo motivo da falha: a engrenagem do volante estava alguns dentes adiantado em relação ao mecanismo da lançadeira (inferior).  Alguém havia recolocado o volante fora de posição angular, ocasionando o não funcionamento.

Após este simples ajuste, a máquina funciona perfeitamente e supre as eventuais necessidades atuais de nossa casa.

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A máquina Vestazinha, costurando hoje, tal como fazia há quase um século.

 

“Máquina de costurar avião”

Enfim, embora a história tenha comprovado a importância e a versatilidade da máquina de costurar, eu confesso que jamais imaginaria semelhante trabalho para as dignas costureiras:

 

Foto hist maq cost 1

“Uma dezena de trabalhadoras costuram o tecido para asas dos aviões da Royal Air Force, na Primeira Grande Guerra (1919)”  

E, falando em avião, nosso digníssimo Alberto Santos Dumont iniciou seu aprendizado em mecânica, aos 12 anos de idade (1885) consertando a máquina de costurar de sua mãe, dona Francisca Santos.

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No epílogo desta, a mesma “vovó”, sob os recursos da câmera Olympus SP600UZ

Até a próxima

sábado, 23 de julho de 2011

Acervo – Publicação 6

 
O Museu de Antigas Máquinas Manuais de Costurar (MAMC) é um acervo particular e privado, com mais de duas centenas destes importantes instrumentos mecânicos.
 
Vide Publicações 1 a 5, referentes a: Identificação do Museu, Colecionador, Importância da Máquina de Costurar, Precursores e outros pioneiros e Restauro.
 
Nesta publicação são apresentadas algumas máquinas do acervo, com considerações peculiares e identificação de número de fabricação.
 
 
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Clemens Muller (nº 565.660, acervo do autor)
 
A indústria Clemens Müller, em Dresden, Alemanha, fundada em 1870, tinha como sócios: L.O. Dietrich, G. Winselmann, e H. Kohler, todos depois fabricantes de suas próprias marcas (dentre elas: Vesta, Titan e Kohler).
A Clemens Müller foi a primeira indústria de máquinas de costurar da Alemanha (Dresden), iniciando a produção em 1855.
Em 1875, mais de 100.000 máquinas, incluindo modelos industriais foram produzidos. Este número aumentou para 200.000 em 1880 e, em 1930 a produção chegou a quase 3 milhões de máquinas. Após a 2ª Guerra Mundial a empresa foi renomeada VEB Máquinas de Escrever e Costurar.
O autor possui 23 máquinas manuais Clemens Müller, todas com alguma diferença (dimensão, formato, base, sistema,..).

 

 

clip_image004Vestazinha (nº 1.644.317, acervo do autor)

Vesta (deusa romana do fogo sagrado) era fabricada pela LOD (L. O. Dietrich) em Altemburg, Alemanha. O autor possui 16 máquinas manuais Vesta, de diferentes modelos, desde as robustas Dietrich Vesta, até as pequenas “Vestazinha” exclusivas para países de língua portuguesa. A empresa foi formada em 1880, passando a produzir exclusivamente armas na segunda guerra, sendo fechada pelo exército russo em 1946.
 
 
 
 
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Jones Family CS (nº R 604.087, acervo do autor)

Máquina adquirida sem uso (em 1982), de um viúvo, o qual informou tê-la guardado por muitas décadas, após o falecimento da esposa.
A Jones Sewing Machine Co. foi fundada em 1860 por William Jones e Thomas Chadwick, Inglaterra.


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O modelo Family CS foi elaborado especialmente para fornecimento à “Sua Majestade a Rainha Alexandra”, entre 1914 e 1920.

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O adesivo da empresa vendedora “B. LAUXEN & CIA – Importadores – Carasinho – R. G. do Sul” comprova sua legitimidade, nunca usada. 


 

clip_image012Noiva (nº 1.526.296 c/ estojo, acervo do autor)

 O nome “Noiva” era exclusivo de exportação para o Brasil. Fabricada pela Dürkopp-Werke AG. Em outubro de 1867, Nicolaus Dürkopp associou-se com Carl Schmidt, para fundar a Dürkopp & Schmidt fábrica de máquinas de costura. Após 1899 passou a fabricar automóveis.
 
 
 
 
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Singer New Family, 1897 (nº 14.845.650, acervo do autor)

Adquirida em S.Brás do Suaçui - MG, depois restaurada e acervada.
 
 
 

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Rhenania 1886 (nº 82.565, acervo do autor)
 
Fabricada pela “Mes Werdt” em Saalfeld- Rudolstadt, Alemanha. Adquirida em Bento Gonçalves - RS em 1980.
 
 
 
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Winselman (nº 2.008.487, acervo do autor)
 
Em 1892, G. Winselmann renunciou à sociedade na Clemens Müller, formando a sua própria empresa: Winselmann Nahmaschin, também em Altenburg, Saschen, Alemanha.
 
 
 
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Willcox & Gibbs 1870 (nº 145.336, acervo do autor)
 
 
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Detalhe da biela com articulação superior esférica,sistema revolucionário para a época.
 
Willcox & Gibbs, dentre outras inovações, patentearam o ponto em cadeia em 1857, cujo modelo de máquina popular foi sucesso, fabricado por décadas. Vide “Precursores – Publicação 2”.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O R e s t a u r o - Publicação 4

 

Conforme a enciclopédia fundamental da língua portuguesa: Lello Universal (ed.1922): “Restauração, s.f. (lat. Restauratio) acto ou effeito de restaurar. Fazer voltar a antiga importância, ao seu original esplendor. Consêrto, reparação; restauração de uma egreja, de um quadro. Restabelecimento, vida nova, dada a uma instituição. Restabelecimento de uma dynastia no throno, que perdera. Reaquisição da independência nacional: a restauração de Portugal em 1640.”

O restauro é um longo, analítico, analógico e específico processo.

Analítico porque depende de estudo minucioso da peça, sua legitimidade, exame criterioso de suas partes, investigação de sua história, pesquisa física de seus componentes e funcionamento, composição de pigmentos, ligas metálicas e demais materiais.

Analógico, a buscar identificação e semelhanças a outras peças, em conjunto ou parciais, no contexto histórico e evolutivo, sejam relatos pesquisados ou fisicamente acervadas.

Específico porque avalia as características próprias da peça, considerando que dois objetos aparentemente iguais podem ter sofrido usos e agressões diferentes no curso do tempo, com histórias diferenciadas.

Peças submetidas à intempéries ou até parcialmente soterradas, possuem partes corroídas pela acidez do solo em suas partes enterradas e oxidadas pela ação meteorológica na parte superior. As peças normalmente possuem partes protegidas, menos vulneráveis às agressões naturais, assim também recebem tratamentos diferentes em suas partes. Assim, também em relação á utilização, manutenção incorreta, falha de limpeza ou lubrificação de partes móveis, requerem tratamento específico.

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Considero RESTAURO como o conjunto de operações para interromper o processo de deterioração de um objeto que testemunhe a história humana, e reconstruí-lo, para estabelecer seu aspecto original de quando em funcionamento ou reconstituir sua aparência e funcionalidade como novo.

Qualquer material está sujeito a diversos agentes de deterioração de ordem química (gases nocivos da atmosfera poluída, partículas minerais muito penetrantes, ...), física ( variações de temperatura e umidade), biológica (ação de bactérias, fungos, cupins...) ou falhas de manutenção e de preservação. No caso das máquinas de costurar, comprovadamente, o descaso com peças antigas é manifesto; raridades jogadas em ferros-velhos, enferrujando, propositadamente quebradas para diminuir volume,..

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Na aquisição da máquina (vale para outras peças) procuro descartar as que são oferecidas por elevados valores, com visível intenção pecuniária. Ter capacidade de avaliar a legitimidade do objeto, sua origem.

Sempre, ao receber uma antiga máquina de costurar, seja por doação ou aquisição, vejo nela a necessidade de algum (ou total) restauro. Os piores casos não são as que sofreram desgastes naturais pela ação do tempo, mas sim as que foram alteradas; repintadas, adulteradas, por vezes com a intenção de ludibriar o comprador ou vendidas como peças “decorativas”.. Há uma infinidade de “fábricas de antiguidades”, muitas com aparência de originais, principalmente relógios, pinturas, gramofones, móveis, livros, entre outros.

Felizmente, as centenárias máquinas de costurar são dificilmente falsificadas, considerando sua constituição original em aço de baixa resistência, evidencia fundições exclusivas de sua época.

Esta liga, de ferro e carbono, possui características de fragilidade e fácil decomposição por abrasividade quando comparada às ligas atuais, o que facilita a identificação.

Obviamente, a existência de partes de materiais recentes (plásticos, pigmentos,...) condena sua idade.

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Cada máquina (ou suas partes) revela características específicas de restauração. Procuro seguir um preceito em que analisa três aspectos básicos:

1. Autenticidade: se realmente trata-se de legítima, cuja origem é conferida por meio de busca em fontes de informação;

2. Preservação: seu desgaste natural pela utilização ao longo do tempo, deterioração, falha de manutenção,...

3. Reversibilidade: possibilidade de recuperação de suas partes, restituição de funcionamento,.

Analisados estes questionamentos, o propósito é de restaurá-la preservando suas marcas de utilização, ou seja, na medida do possível, preservar seu estado de quando em funcionamento.

Embora alguns restauradores recuperem as peças de maneira a passarem a apresentar estado de novas, tal quando fabricadas, meu particular objetivo é mais relato histórico, permitindo que as máquinas de costurar demonstrem suas características de utilização.

Preliminarmente (antes de ações físicas), busca-se a identificação (marca, número de série,..), história (a quem pertenceu, finalidade de utilização, ..), informações complementares,...

Através da Internet pode-se conseguir (ou adquirir) antigos manuais ou fichas técnicas.

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Página do Manual Singer mod 24

Repito as palavras do colecionador Daltro D’Arisbo: “Quando encontro um rádio, em geral ele está velho, muito longe de ser um objeto antigo e digno de colecionamento”

As antigas máquinas de costurar eram bens de propriedade e uso notoriamente feminino. E, embora aquelas damas desempenhassem com excelência as tais essenciais tarefas, observa-se que olvidavam as normas de manutenção e muitas peças apresentam desgastes específicos exagerados. Lubrificavam algumas partes e negligenciavam outras, utilizavam óleos vegetais ou até animais, claramente comprovados no processo de restauro com solventes específicos.

Evidentemente, estas máquinas antigas, foram construídas em materiais resistentes e, justamente por isso, preservam-se por muitas décadas, mesmo sofrendo falhas de manutenção.

Algumas características alimentam os relatos históricos específicos, como a máquina “Junker & Ruh” da família Filipetto, adquirida em 1890 e passada de mãe para uma das filhas, por várias gerações, sempre com a proibição de “outros mexerem”. Esta é uma das raras exceções que me chegou em perfeito estado, sempre lubrificada a contento, nunca reformada ou consertada, funcionou exaustivamente por mais de um século! Seu restauro limitou-se à mera limpeza e redação histórica.

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Observe-se que, algumas marcas de uso identificam sua utilização no decorrer do tempo, merecem ser preservadas como testemunha histórica de sua vida funcional, como já citado. Marcas de carbonização em peças de madeira, identificam incêndio; desgastes localizados definem formas de uso; restos de insetos noturnos ou pingos de velas indicam utilização noturna; pedaços de papel com informações numéricas em sua caixa inferior (valores, medidas,...); recortes de jornal da época, santinhos com orações, ...

Enfim, são informações preciosas que esclarecem sua história e que também orientarão seu restauro.

Como normalmente as máquinas chegam-me sem relatos (adquiridas em feiras, ferros-velhos, permutas ou doações), algumas etapas de análise são omitidas. Procedo à identificação e pré-limpeza e desmontagem.

A pré-limpeza é realizada (com cuidado, para não perder dados, tais os citados), previamente com pincel para retirada de materiais soltos, depois com solventes leves: normalmente (na ordem); água morna, água com detergente, querosene. Nunca se devem utilizar produtos agressivos (ácidos ou cáusticos). Sempre são indispensáveis os EPIs (luvas e óculos)

A desmontagem, habitualmente requer esforços e ferramentas específicas: morsa, chaves de fenda de impacto, alicates de pressão, pinças... Sempre com muito critério e cuidado, pois a constituição das peças era em aço de baixa resistência, quebradiço à impactos.

Importantíssimo é eleger uma ordem de desmontagem, assim como a guarda de seus componentes, pois qualquer desordem comprometerá a recomposição.

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Ordem de algumas partes no Manual da Howe 1870

Os parafusos de meio século não se assemelhavam aos atuais, suas roscas (passos, ângulos,...), assim como as “cabeças” não são comercializáveis hoje. Ou seja, é indispensável manter em bom estado os parafusos retirados. Caso necessário, aumentar-lhes a fenda, com uma lâmina de serra para metais (prefira as com 32 dentes por polegada).

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Comumente os parafusos são “teimosos” e, acomodados por muitas décadas, negam-se a sair.

Nestes casos não há milagres. Aplica-se desengripantes, tenta-se com chaves de fenda de impacto, alicates de pressão (se há cabeça aparente), aquece-se tepidamente e... recomeçam-se as tentativas. Por vezes, aplicando-se o desengripante e deixando para o dia seguinte, há um possível sucesso. Mas, em casos extremos, é necessário utilizar talhadeira, com impactos na lateral da fenda, sentido anti-horário, o que pode comprometer a cabeça. E, se nem assim o pertinaz parafuso negar-se a sair (principalmente embutidos com cabeça cônica), a solução radical é de aplicar a furadeira (broca menor) e refazer a rosca na peça, obviamente em padrões atuais.

Nesta possibilidade, torna-se necessário escolher um parafuso “parecido” com o original.

Lembre-se que, na época só existiam cabeças tipo “fenda” (patenteado na Inglaterra em 1797), não existia Phillips, Torx, Robertson e outros comuns hoje.

Para substituir para parafusos por atuais, além de adaptar sua cabeça (por torneamento ou lixamento) é necessário “envelhecê-lo” para conferir-lhe a idade da máquina. O procedimento que adoto é simples e exitoso. Consiste em aquecer o parafuso (chama do fogão) até torna-lo rubro, depois mergulha-se em óleo preto (resíduo do carter de automóveis). O processo vale para quaisquer peças pequenas. Na foto, o pino suporte de carretéis, executado a partir de um prego!

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As partes corroídas por oxidação exigem procedimento abrasivo (raspagem, lixamento,..) e aplicação de pintura protetora. Existem no mercado produtos que apregoam retirar a corrosão, protegendo com camada fosfática. Acredito que sejam realmente eficazes, mas como o meu método tem sido eficiente por décadas, mantenho-o. (não altera-se time vencedor!)

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Pino superior colocado (Saxônia)

Jamais aplicar “jato de areia” ou granalha de ferro para remover corrosão ou pintura antiga, pois danificam por abrasão os componentes, ou até eliminam alguma identificação impressa em baixo relevo.

Sempre investigar minuciosamente as partes inferiores da base, se metálica, e internamente, na busca por inscrições. As peças móveis também podem conter identificação.

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Partes seriamente corroídas (cáries) podem ser cuidadosamente preenchidas com resinas (duas massas reagentes, tal Durepoxi), depois lixadas e pintadas (fundo e cobrimento).

Algumas empresas especializadas em pintura eletrostática (aplicação de pigmento em pó, eletricamente carregado com até 100kV ) podem prover a limpeza química e pintura da peça.  (Tecnopó Pinturas Industriais – Toledo – PR)

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Sewlette infantil 1965 (antes e depois) com tratamento eletrostático

A pintura das partes (definição de cores na análise preliminar), que normalmente eram pretas, pode ser realizada por pistola ou com pincel de cerdas delgadas e macias. Observe-se que, no restauro que adoto, procuro sempre que possível, “retocar” as falhas, preservando sua aparência de usada, embora recuperando seu funcionamento.

Para a execução do restauro nas partes originalmente cromadas, após a limpeza já citada, utilizo esponja metálica (consagrado BomBril) embebida em querosene. No caso de volantes ou peças circulares cromadas, coloco-as no torno e, em baixa velocidade, o que facilita o processo. Desaconselho a “recromação”, pois alteraria o aspecto de USADA.

Comumente, as antigas máquinas de costurar traziam emblemas metálicos de marca, fabricante ou apenas logotipo da empresa afixados na coluna. Caso possível retirar, após a limpeza física, mergulhá-los em ácido acético 2-5% (vinagre caseiro serve) por uma noite. Depois aplicar um polidor automotivo.

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Plaqueta Singer mod 19

Como os plásticos foram inventados após 1930 (baquelite em 1909), as partes não metálicas eram constituídas de louça (manoplas) ou madeira (bases). Por medida de economia, alguns fabricantes produziram manoplas em madeira torneada, assim como a substituição das quebradas.

Deste modo, quando na ausência da manopla original, executo em madeira uma similar.

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Execução da manopla

 

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Manopla colocada

Nas bases em madeira, procuro refazê-las na maior semelhança possível, completando-as com partes análogas em aparência. Adesivos vinílicos para madeira (Cascolar, ..) são adequados e ganchos de pressão (sargentos) firmam as partes até a solidarização (24 horas, não menos).

Evita-se a colocação de pregos, parafusos,...e em casos de necessários preenchimentos na madeira, utiliza-se “palitos de picolé” colados, e acabamento com massa plástica.

Caso constatado o ataque de térmitas (cupins), o procedimento foi relatado na página “Restauro - Os cupins (terror dos colecionadores) – Publicação 5