sábado, 23 de julho de 2011

Acervo – Publicação 4

O Museu de Antigas Máquinas Manuais de Costurar (MAMC) é um acervo particular e privado, com mais de duas centenas destes importantes instrumentos mecânicos.

Nesta publicação são apresentadas algumas máquinas do acervo, com considerações peculiares e identificação de número de fabricação.


Clemens Muller (nº 565.660, acervo do autor)

A indústria Clemens Müller, em Dresden, Alemanha, fundada em 1870, tinha como sócios: L.O. Dietrich, G. Winselmann, e H. Kohler, todos depois fabricantes de suas próprias marcas (respectivamente: Vesta, Titan e Kohler).
A Clemens Müller foi a primeira indústria de máquinas de costurar da Alemanha (Dresden), iniciando a produção em 1855.
Em 1875, produziu mais de 100.000 máquinas, incluindo modelos industriais. Este número aumentou para 200.000 em 1880 e, em 1930 a produção chegou a quase 3 milhões de máquinas.  Após a 2ª Guerra Mundial a empresa foi renomeada VEB Máquinas de Escrever e Costurar.
Nosso museu possui três dezenas de máquinas manuais Clemens Müller, todas com alguma diferença (dimensão, formato, base, sistema mecânico,..).

 
Vestazinha (nº 1.644.317, acervo do autor) 

Vesta (deusa romana do fogo sagrado) era fabricada pela LOD (L. O. Dietrich) em Altemburg, Alemanha. Possuimos 16 máquinas manuais Vesta, de diferentes modelos, desde as robustas Dietrich Vesta, até as pequenas “Vestazinha” exclusivas para países de língua portuguesa. A empresa foi formada em 1880, passando a produzir exclusivamente armas na segunda guerra, sendo fechada pelo exército russo em 1946.


Jones Family CS (nº R 604.087, acervo do autor)

Máquina adquirida sem uso (em 1982), de um viúvo, o qual informou tê-la guardado por muitas décadas, após o falecimento da esposa.
A Jones Sewing Machine Co. foi fundada em 1860 por William Jones e Thomas Chadwick, Inglaterra.


O modelo Family CS foi elaborado especialmente para fornecimento à “Sua Majestade a Rainha Alexandra”, entre 1914 e 1920. 


O adesivo da empresa vendedora “B. LAUXEN & CIA – Importadores – Carasinho – R. G. do Sul” comprova sua legitimidade, nunca usada.

 
Noiva (nº 1.526.296 c/ estojo, acervo do autor)
 
O nome “Noiva” era exclusivo de exportação para o Brasil. Fabricada pela Dürkopp-Werke AG. Em outubro de 1867, Nicolaus Dürkopp associou-se com Carl Schmidt, para fundar a Dürkopp & Schmidt fábrica de máquinas de costura. Após 1899 passou a fabricar automóveis.


Singer New Family, 1897 (nº 14.845.650, acervo do autor)
Adquirida em S.Brás do Suaçui - MG, depois restaurada e acervada.



Rhenania 1886 (nº 82.565, acervo do autor)

Fabricada pela “Mes Werdt” em Saalfeld- Rudolstadt, Alemanha. Adquirida em Bento Gonçalves - RS em 1980.


Winselman (nº 2.008.487, acervo do autor)

Em 1892, G. Winselmann renunciou à sociedade na Clemens Müller, formando a sua própria empresa: Winselmann Nahmaschin, também em Altenburg, Saschen, Alemanha.


Willcox & Gibbs 1870 (nº 145.336, acervo do autor)


Detalhe da biela com articulação superior esférica, 
sistema revolucionário para a época.

Willcox & Gibbs, dentre outras inovações, patentearam o ponto em cadeia em 1857, cujo modelo de máquina popular foi sucesso, fabricado por décadas.  Citado na "Publicação 2".

O Museu das Antigas Máquinas Manuais de Costurar, além do acervo próprio, possui oficina de restauro e desenvolve pesquisa sobre a evolução destes instrumentos mecânicos. 

Prof. Darlou D'Arisbo
23 de julho de 2011

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O R e s t a u r o - Publicação 3

 Conforme a enciclopédia fundamental da língua portuguesa: Lello Universal (ed.1922): “Restauração, s.f. (lat. Restauratio) acto ou effeito de restaurar. Fazer voltar a antiga importância, ao seu original esplendor. Consêrto, reparação; restauração de uma egreja, de um quadro. Assim como o restabelecimento de uma dynastia no throno, que perdera, tal a restauração de Portugal em 1640.”

O restauro é um longo, analítico, analógico e específico processo.

Analítico porque depende de seu estudo minucioso, legitimidade, exame criterioso de suas partes, investigação de sua história, pesquisa física de seus componentes e funcionamento, composição de pigmentos, ligas metálicas e demais materiais.

Analógico, a buscar identificação e semelhanças a outras peças, em conjunto ou parciais, no contexto histórico e evolutivo, sejam relatos pesquisados ou fisicamente acervadas.

Específico porque avalia suas características próprias, considerando que dois objetos aparentemente iguais podem ter sofrido usos e agressões diferentes no curso do tempo, com histórias diferenciadas.

Peças submetidas à intempéries ou até parcialmente soterradas, possuem partes corroídas pela acidez do solo em suas partes enterradas e oxidadas pela ação meteorológica na parte superior. Algumas possuem partes protegidas, menos vulneráveis às agressões naturais, ou recebem tratamentos diferentes em suas partes. Assim, também em relação à utilização, manutenção incorreta, falha de limpeza ou lubrificação de partes móveis, requerem tratamento específico.


Considero RESTAURO como o conjunto de operações para interromper o processo de deterioração de um objeto que testemunhe a história humana, e reconstruí-lo, para estabelecer seu aspecto original de quando em funcionamento ou reconstituir sua aparência e funcionalidade como novo.

Qualquer material está sujeito a diversos agentes de deterioração; de ordem química (gases nocivos da atmosfera poluída, partículas minerais muito penetrantes, ...), física (variações de temperatura e umidade), biológica (ação de bactérias, fungos, cupins...) ou falhas de manutenção e de preservação. 

No caso das antigas máquinas de costurar, comprovadamente, o descaso é manifesto; raridades jogadas em ferros-velhos, enferrujando ou propositadamente quebradas para diminuir volume,..


Na aquisição da máquina (vale para outras peças) procuro descartar as que são oferecidas por elevados valores, com visível intenção pecuniária. É importante ter capacidade de avaliar a legitimidade do objeto, sua origem.

Sempre, ao receber uma antiga máquina de costurar, seja por doação ou aquisição, vejo nela a necessidade de algum (ou total) restauro. Os piores casos não são as que sofreram desgastes naturais pela ação do tempo, mas sim as que foram alteradas; repintadas, adulteradas, por vezes com a intenção de ludibriar o comprador ou vendidas como peças “decorativas”.. Há uma infinidade de “fábricas de antiguidades”, muitas com aparência de originais, principalmente relógios, pinturas, gramofones, móveis, livros, entre outros.

Felizmente, as centenárias máquinas de costurar são dificilmente falsificadas, considerando sua constituição original em aço de baixa resistência, o que evidencia fundições exclusivas de sua época.
Esta liga, de ferro e carbono, possui características de fragilidade e fácil decomposição por abrasividade quando comparada às ligas atuais, o que facilita a identificação.
Obviamente, a existência de partes de materiais recentes (plásticos, pigmentos,...) condena sua idade.


Cada máquina (ou suas partes) revela características específicas de restauração e procuro seguir um preceito em que analisa três aspectos básicos:

1. Autenticidade: se realmente trata-se de legítima, cuja origem é conferida por meio de busca em fontes de informação;

2. Preservação: seu desgaste natural pela utilização ao longo do tempo, deterioração, falha de manutenção,...

3. Reversibilidade: possibilidade de recuperação de suas partes, restituição de funcionamento,...

Analisados estes questionamentos, o propósito é de restaurá-la preservando suas marcas de utilização, ou seja, preservar seu estado de quando em funcionamento.

Embora alguns restauradores recuperem as peças de maneira a passarem a apresentar estado de novas, tal quando fabricadas, meu particular objetivo visa o relato histórico, permitindo que as máquinas de costurar voltem a demonstrar suas características de utilização.

Preliminarmente (antes de ações físicas), busca-se a identificação (marca, número de série,..), história (a quem pertenceu, finalidade de utilização, ..), informações complementares,...

Através da Internet pode-se conseguir (ou adquirir) antigos manuais ou fichas técnicas.


Página do Manual da Singer mod. 24

As antigas máquinas de costurar eram bens de propriedade e de uso notoriamente feminino. Embora aquelas damas desempenhassem com excelência as tais essenciais tarefas, observa-se que olvidavam as normas de manutenção e muitas peças apresentam desgastes específicos exagerados. Lubrificavam algumas partes e negligenciavam outras, utilizavam óleos vegetais ou até animais, claramente comprovados no processo de restauro com solventes específicos.

Evidentemente, estas máquinas antigas, foram construídas em materiais resistentes e, justamente por isso, preservam-se por muitas décadas, mesmo sofrendo falhas de manutenção.

Algumas características alimentam os relatos históricos específicos, como a máquina “Junker & Ruh”, adquirida em 1890 e passada sempre da mãe para uma das filhas, por várias gerações, sempre com a proibição de “outros mexerem”. Esta é uma das raras exceções que me chegou em perfeito estado, sempre lubrificada a contento, nunca reformada ou consertada, funcionou exaustivamente por mais de um século! Seu restauro limitou-se à mera limpeza e redação histórica.


Observe-se que, algumas marcas de uso identificam sua utilização no decorrer do tempo, merecem ser preservadas como testemunha histórica de sua vida funcional. Marcas de carbonização em peças de madeira identificam incêndio; desgastes localizados definem formas de uso; restos de insetos noturnos ou pingos de velas indicam utilização noturna; pedaços de papel com informações numéricas em sua caixa inferior (valores, medidas,...); recortes de jornal da época, santinhos com orações,... Enfim, são informações preciosas que esclarecem sua história e que também orientarão seu restauro.

Como normalmente as máquinas chegam-me sem relatos (adquiridas em feiras, ferros-velhos, permutas ou doações), algumas etapas de análise são omitidas. Procedo então à identificação e pré-limpeza e desmontagem.

A pré-limpeza é realizada (com cuidado, para não perder dados, tais os citados), previamente com pincel para retirada de materiais soltos, depois com solventes leves: normalmente (na ordem); água morna, água com detergente, querosene,... Nunca se deve utilizar produtos agressivos (ácidos ou cáusticos). E sempre são indispensáveis os EPIs (luvas e óculos)

A desmontagem, habitualmente requer esforços e ferramentas específicas: morsa, chaves de fenda de impacto, alicates de pressão, pinças... com muito critério e cuidado, pois a constituição das peças era em aço de baixa resistência, quebradiço à impactos.

Importantíssimo é eleger uma ordem de desmontagem, assim como a guarda de seus componentes, pois qualquer desordem comprometerá a recomposição.


Ordem de algumas partes no Manual da Howe 1870

Os parafusos de meio século (ou mais) não se assemelhavam aos atuais, suas roscas (passos, ângulos,...), assim como as “cabeças” não são comercializáveis hoje. Ou seja, é indispensável manter em bom estado os parafusos retirados. Caso necessário, aumentar-lhes a fenda, com uma lâmina de serra para metais (prefiro as com 32 dentes por polegada).


Comumente os parafusos são “teimosos” e, acomodados por muitas décadas, negam-se a sair. Nestes casos não há milagres.
Aplica-se desengripantes, tenta-se com chaves de fenda de impacto, alicates de pressão (se há cabeça aparente), aquece-se tepidamente e... recomeçam-se as tentativas. Por vezes, aplicando-se o desengripante e deixando para o dia seguinte, há um possível sucesso. Mas, em casos extremos, é necessário utilizar talhadeira, com impactos na lateral da fenda, sentido anti-horário, o que pode comprometer a cabeça.

E, se n
em assim o pertinaz parafuso negar-se a sair (principalmente embutidos com cabeça cônica), a solução radical é de aplicar a furadeira (broca menor) e refazer a rosca na peça, obviamente em padrões atuais.  Nesta possibilidade, torna-se necessário escolher um parafuso “parecido” com o original.
Lembre-se que, na época só existiam cabeças tipo “fenda” (patenteado na Inglaterra em 1797), não existia Phillips, Torx, Robertson e outros comuns hoje.

Para substituir para parafusos por atuais, além de adaptar sua cabeça (por torneamento ou lixamento) é necessário “envelhecê-lo” para conferir-lhe a idade da máquina. O procedimento que adoto é simples e exitoso. Consiste em aquecer o parafuso (chama do fogão) até torna-lo rubro, depois mergulha-se em óleo preto (resíduo do cárter de automóveis). O processo vale para quaisquer peças pequenas. Na foto, o pino suporte de carretéis, executado a partir d


e um prego!




Pino suporte de carretéis executado a partir de um prego

As partes corroídas por oxidação exigem procedimento abrasivo (raspagem, lixamento,..) e aplicação de pintura protetora. Existem no mercado produtos que apregoam retirar a corrosão, protegendo com camada fosfática. Acredito que sejam realmente eficazes, mas como o meu método tem sido eficiente por décadas, mantenho-o. (não altera-se time vencedor!)


Pinos de carretéis colocado (Saxônia)

Jamais aplicar “jato de areia” ou granalha de ferro para remover corrosão ou pintura antiga, pois danificam por abrasão os componentes, ou até eliminam alguma identificação impressa em baixo relevo.

Sempre investigar minuciosamente as partes inferiores da base, se metálica, e internamente, na busca por inscrições. As peças móveis também podem conter identificação.



Partes seriamente corroídas (cáries) podem ser cuidadosamente preenchidas com resinas (tal Durepoxi), depois lixadas e pintadas (fundo e cobrimento).

Algumas empresas especializadas em pintura eletrostática (aplicação de pigmento em pó) podem prover a limpeza química e pintura da peça.




Sewlette infantil 1965 (antes e depois) com tratamento eletrostático

A pintura das partes (definição de cores na análise preliminar), que normalmente eram pretas, pode ser realizada por pistola ou com pincel de cerdas delgadas e macias. Observe-se que, no restauro que adoto, sempre que possível evito a pintura geral e apenas retocando falhas, no sentido de preservar a aparência de usada, embora recuperando seu funcionamento.

Para a execução do restauro nas partes originalmente cromadas, após a limpeza já citada, utilizo esponja metálica (consagrado Bom Bril) embebida em querosene, o que vale para peças circulares (como volante de acionamento), o qual é colocado no torno, em baixa rotação. Desaconselho a “recromação”, pois alteraria o aspecto de USADA.

Comumente, as antigas máquinas de costurar traziam emblemas metálicos de marca, fabricante ou apenas logotipo da empresa afixados na coluna. Caso seja possível retira-lo, após a limpeza física, mergulhá-los em ácido acético 2-5% (vinagre caseiro serve) por uma noite. Depois aplicar um polidor automotivo.


Plaqueta Singer mod 19

Como os plásticos foram inventados após 1930 (baquelite em 1909), as partes não metálicas eram constituídas de louça (manoplas) ou madeira (bases). Por medida de economia, alguns fabricantes produziram manoplas em madeira torneada, assim como a substituição das quebradas.   Deste modo, quando na ausência da manopla original, executo em madeira uma similar.

 
Execução de torneamento de uma manopla

Procuro refazer as bases de madeira na maior semelhança possível, completando-as com partes análogas em aparência, utilizando adesivos vinílicos (Cascolar, ..)  e ganchos de pressão (sargentos) firmando as partes até a solidarização (24 horas, não menos).

Evita-se a colocação de pregos, parafusos e, em casos de necessários preenchimentos, utiliza-se “palitos de picolé” ou pó de lixamento colados, e acabamento com massa plástica.

Caso constatado o ataque de térmitas (cupins), o procedimento é relatado na publicação “A Hermética Sociedade dos Cupins"

Assim posto, com a humildade que me caracteriza, imagino ter relatado o procedimento que utilizo para restaurar as históricas máquinas de costurar, responsáveis que foram pela evolução mecânica e pela emancipação feminina. 


Prof. Darlou D'Arisbo

 

Precursores da Máquina de Costurar - Publicação 2

O primeiro e mais importante precursor da máquina de costurar foi Barthélémy Thimmonier.
Nascido em Abresle, no Reno, era um modesto mecânico e alfaiate quando inventou o primeiro aparelho para coser, imitando o gesto das bordadeiras dos montes de Lyon.

Para entender os princípios de mecânica, associou-se a um professor da Escola de Mineiros de Saint-Etienne que elaborou os planos da sua invenção, cuja patente foi registrada em 1830.
Com a participação de sócios capitalistas parisienses, abriu o primeiro atelier de confecção do mundo, onde 80 rudimentares máquinas cosiam seis vezes mais depressa que à mão.
Projeto patenteado por Thimonnier

No final do mesmo ano, o exército francês, em campanha na Argélia, encomendou uniformes para os soldados em combate. Thimonnier instalou então sua empresa em Paris. Porém em 20 de janeiro de 1831, duzentos costureiros, que temiam pelos seus postos de trabalho, saquearam o prédio e destruíram as máquinas.

Era a época da Revolução de Julho e das Três Gloriosas, as mulheres e crianças eram exploradas e as máquinas ameaçavam os operários alfaiates numa miséria ainda maior pela suposta decorrente mecanização.

Em 1832, Thimonnier fabricou um instrumento de costura para fazer pespontos e tentou a conquista comercial em Paris. Porém, novos tumultos explodiram, e foi mais uma vez fracassado. Em 21 de Julho de 1845, com uma nova patente, tentou novamente e, pela primeira vez, a imprensa francesa lhe foi favorável.




A máquina “cose e borda” qualificada de pequena maravilha numa publicação de 19 de agosto de 1845, permitia realizar 200 pontos por minuto e podia alterar o tamanho deles através de um simples parafuso.

Na revolução de 1848, caiu a monarquia dos Bourbon com a proclamação do Segunda República, Thimonnier foi expatriado para Inglaterra, onde tentou uma patente inglesa. No entanto, outros inventores, na Europa e nos Estados Unidos, haviam desenvolvido as suas descobertas

Primeira máquina de Thimonier

Dificuldades com o sócio inglês, obrigaram Thimonnier a regressar para a França, onde outras desilusões o esperavam. A França estava recuperando-se de outro golpe de Estado. E, em 1851 a máquina que deveria estar presente na Exposição Universal de Londres não foi entregue a tempo. Enquanto o seu filho mais velho partia para a guerra da Criméia, Thimonnier era novamente ameaçado pelos alfaiates e também pelos seus concorrentes.


Ilustração feita por ele em 1845

Em 1855 abandonou o frágil sistema de costura por “ponto de cadeia”, com único fio lançado no tecido por uma agulha (tipo crochet com duplo arco, na parte superior e na inferior). Consagrou-se então ao ponto com dois fios, obtido graças a uma agulha de fazer rede. Contudo, a sua nova máquina também não ficou pronta a tempo da seguinte Exposição Universal de Paris.

Segunda máquina e Thimonnier

Decepcionado, Thimonnier voltou ao aperfeiçoamento do ponto de cadeia, porém sem sucesso, com perigo de descoser.
Depois de muitas malogradas tentativas, morreu na miséria, em 1859. Por ironia do destino, um monumento foi-Ihe dedicado em Lyon, na Place de Abondance.

Outros pioneiros

Outros inventores também conheceram dissabores. Em 1735, Charles Weisenthal, alfaiate alemão, residente na Inglaterra, obteve uma patente para uma rudimentar máquina dotada de uma agulha de duas pontas munidas de um buraco no meio. O curioso instrumento de coser não teve sucesso.

Em 1790, Thomas Saint, marceneiro inglês realizou um protótipo para acolchoar e fazer costuras em sapatos, botas, pantufas e semelhantes. Colocada em cima de uma armação de madeira, esta máquina funcionava com a ajuda de uma manivela. Uma sovela (semelhante a uma pequena lança) perfurava o tecido e, através desse orifício, passava uma agulha munida de um buraco no meio. Todavia, este engenho, demasiado arcaico, não possuía nenhuma vantagem, a não ser a de conduzir o fio.

No mesmo ano, o alemão Balthasar Krems, inventou uma agulha com o buraco junto à ponta. Embora rejeitada, a agulha perpetuou seu desenho até hoje.

Em 1807, Joseph Madersperger, mestre alfaiate austríaco, construiu uma máquina dotada de uma agulha com duas pontas e orifício no centro. No entanto, esta podia utilizar apenas quarenta e cinco centímetros de fio de cada vez. Oito anos após, desenvolveu um novo modelo, com duas agulhas e um terceiro fio, alternadamente alçado pelos anteriores. Porém, dificuldades financeiras obrigaram-no a abandonar as suas pesquisas.

O estadunidense Walter Hunt, empregou pela primeira vez, o princípio da lançadeira (naveta) em 1834.

Elias Howe, inventor (USA), desenvolveu uma máquina mais satisfatória, com agulha horizontal, porém foi mal sucedido ao promovê-la.

Elias Howe, sua máquina em 1846

Howe mudou-se para a Inglaterra e vendeu lá seu projeto para William Thomas, por 250 libras. Desgostoso, empobrecido e insatisfeito, anos após voltou aos Estados Unidos e surpreendeu-se com o sucesso do seu projeto executado ilegalmente por outros fabricantes.


Após muitas demandas judiciais, em 1854, conseguiu recuperar suas patentes e receber imensas indenizações, incluindo U$15.000,00 de Isaac Singer. Em 1867, passou a ser um dos homens mais ricos do mundo.


Máquina Howe 1857


James Edward Allen Gibbs era um agricultor em em Rockbridge County, Virgínia. Interessado em mecânica, em 1854 desenvolveu uma rudimentar máquina em madeira, com inovador ponto em cadeia (ponto anterior é alçado pelo posterior).



A máquina e o sistema de ponto em cadeia

Gibbs associou-se com Charles Willcox e patentearam o sistema, incluindo outras soluções (tensão automática da linha, alimentação, remoção de torções e até redução de ruído). Suas máquinas Willcox & Gibbs constituiram sucesso por décadas.


Willcox & Gibs 1857 (acervo do autor)

A partir de 1851, os fabricantes ingleses e alemães acotovelavam-se para ganhar um lugar no próspero mercado. Marcas germânicas como Adam-Opel, Universam e Saxonia surgiram e fábricas inglesas como Jones, Starter & Company impuseram-se. Procuraram soluções para tornar o fio mais resistente e diversificar os tipos de ponto, enquanto que o sistema de lançadeira se impôs.


Indústria Stoewer


Propaganda da época de máquina Junker acervada pelo autor

Adam Opel (Rüsselsheim 1837 – 1895) trabalhou para a indústria francesa Journaux & Leblond, fabricante de máquinas de costurar. Em 1862, começou a construí-las por conta própria em sua pequena e artesanal fábrica na Alemanha.

No ano de 1868, casou com Sophie Marie Scheller. O dote da noiva permitiu ampliar sua fábrica e produzir a "Sophia", em honra à esposa, sucesso de vendas e exportação. Em 1884 construiu 15 mil máquinas de costurar e, no ano seguinte, Opel iniciou também a construção bicicletas.
Seus filhos continuaram a empresa e, em 1899, produziram o primeiro automóvel Opel.


Máquina Opel 1884

Em 1867, a Peugeot entra na corrida e não cessou mais sua atividade no domínio da máquina de costurar até 1936, para se lançar na construção de automóveis. Dentre tantos outros equipamentos mecânicos, a Peugeot produziu também moedores manuais de grãos (o autor resgatou um exemplar, no interior do Rio Grande do Sul, fabricado no século XIX e ainda em bom funcionamento).


Propaganda das máquinas Peugeot no início de 1900

Isaac Merrit Singer, estadunidense e filho de imigrante judeu alemão, começou a carreira na comédia teatral sob o pseudônimo de With. Em 1850, convertido à mecânica, agrupando soluções existentes e adquirindo sistemas já patenteados, iniciou a produção de máquinas de costurar.


Isaac Merrit Singer

Consciente de suas qualidades de orador, Singer iniciou-se no sistema de venda de “porta a porta” fazendo também demonstrações em feiras e circos. Para conseguir mais atenção, instalava-se no passeio e costurava com a máquina. Os transeuntes apinhavam-se para o ver, artista que era.

A primeira máquina, batizada de “Jenny Lind” em honra a uma cantora sueca, foi um sucesso. Em 1858 produziu a “Sauterelle” e depois o modelo “A” (o autor resgatou e mantém no acervo, em ótimo estado de conservação), com revolucionária lançadeira transversal. Singer foi o precursor da locação com opção de compra (leasing), onde o adquirente pagava o aluguel da máquina até atingir o seu valor total, quando se tornava proprietário.

Declaração da Sra. Wm. Allison M., Statesville, Carolina do Norte, em 1911: “…possuo e opero a Singer desde 1860, já costurei mais de cem milhas e ainda está boa”

Singer democratizou a máquina de costurar e tornou-se o líder mundial dentre os 124 fabricantes que já partilhavam entre si o mercado. Em 1880, ele construiu 3 milhões de exemplares de diferentes modelos. E no ano de 1891, sua produção foi de 10 milhões de máquinas. 

Desta maneira, nosso museu relata, embora de maneira sucinta, os pioneiros inventores e fabricantes das máquinas de costurar, no sentido de resgatar a história e homenagear estes intrépidos precursores.  

14 de julho de 2011
Prof. Darlou D'Arisbo


 

 

terça-feira, 12 de julho de 2011

Identificação do Museu - Publicação I

O Museu de Antigas Máquinas Manuais de Costurar (MAMC) é um acervo particular e privado, que desenvolve pesquisa na evolução mecânica e social deste importante instrumento mecânico, com abrangência no intervalo entre 1850 e 1950.

O museu integra o Cadastro do Ministério da Cultura (Of 191/11 NuCNM / SGSIM / IBRAM ), com acervo exposto de duas centenas de antigas máquinas. Possui reserva técnica, oficina de restauro e manutenção.


Parte do acervo

O Colecionador

Darlou D'Arisbo, professor de Ergonomia e Antropometria, neto de alfaiate (imigrante italiano), teve nas máquinas costurar do avô a inspiração por estes instrumentos mecânicos, iniciando a coleção em 1972, em Porto Alegre/RS e sediado em Toledo/PR desde 1974.

Como docente universitário, teve a oportunidade de desenvolver Projeto de Pesquisa sobre a evolução histórica, mecânica e social da máquina de costurar.

A Importância da Máquina de Costurar na História

A origem do ato de costurar antecede aos registros expressos e as mais antigas proposições referem-se ao recente encontro de pré-históricas agulhas de ossos, com orifícios. Sua idade foi estimada em mais de 20.000 anos (última Era de Gelo) e eram usadas para coser peles de animais.

Há alguns anos, em München, Alemanha, foram encontradas agulhas de ferro, datadas do século III aC.

Na tumba de membro da Dinastia Ahm (China 202 aC), foi encontrado um jogo de costura completo, incluindo um dedal metálico (dispositivo para empurrar agulhas em peles de animal, protegendo os dedos).

A primeira patente de máquina de costurar foi registrada pelo inventor britânico Thomas Saint, em 1790, embora o mecanismo nunca tenha sido desenvolvido, considerado inexequível e, seria exclusivo para costurar couro.

A difícil tarefa de costurar roupas era destinada às mulheres e, com o advento do precioso equipamento, este trabalho tornou-se menos penoso, mais agradável e rápido. Além disso, o vestuário ganhou qualidade, diversificação e, importante: socializou a indumentária num enfoque estético. Costurar passou integrar mais a arte que o trabalho.


Bens da família (Nebraska,1888): filhos (vestimentas),
residência, cavalos e a máquina de costurar

Alguns estudiosos citam que "a máquina de costura aumentou os guarda-roupas, tornou possível a produção em massa de inúmeros produtos e emancipou mulheres de todos os países, como nada mais o fez na história."


Família alemã apresenta seus dons: música e costura (1890)

A máquina de costurar foi uma invenção fantástica para a humanidade e trouxe idéias inovadoras no domínio técnico, mecânico, econômico, social, estético e comercial. E, assim como o seu posterior desenvolvimento, não pode ser atribuída a uma só pessoa, uma vez que muitos adaptaram e aperfeiçoaram os sistemas, patenteando soluções parciais, seja na concepção mecânica, campanhas de divulgação, métodos de venda, configuração estética de resultados...

Até meados dos anos 1800, a roupa era feita à mão e as famílias costuravam suas roupas: calças, camisas, vestidos,… usando agulha e linha. A indústria da máquina de costurar tornou possível a produção em massa de roupas em uma escala muito maior do que nunca teria sido possível com a costura à mão.

Da avalanche de registros de patentes que se verificaram a partir de 1830, salientam-se dois nomes: o de Barthélémy Thimonnier (mecânico e alfaiate francês, nascido em 1793 - Abresle, falecido em 1859 - Amplepois), o primeiro a registrar uma máquina e tido como o inventor da máquina de costurar, e o de Isaac Merritt Singer (norte americano, nascido em 1811 - Pittstown, falecido em 1875 - Torquay)

Singer aperfeiçoou a máquina de costurar, com base em inúmeras patentes de outros inventores, fundando em NY a fábrica SMC (1853) realizando o sonho progressista de Thimonnier, colocando este utensílio criativo ao alcance de todas as classes de renda, incluindo um revolucionário método de arrendamento (leasing), democratizando assim sua utilização em rede mundial de vendas.

O estampado júbilo de costurar (Suiça 1949)
 
Desta maneira, nosso museu assume a nobre responsabilidade de transmitir informações pertinentes á pesquisa e restauro destes importantíssimos e históricos instrumentos mecânicos, atraves de publicações agora iniciadas.
 
 12 de julho de 2011
Prof. Darlou D'Arisbo