segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Histórias, Causos e Fotos – Publicação 5

O Museu de Antigas Máquinas Manuais de Costurar (MAMC) apresenta, nesta 5ª publicação, relatos que acompanham a história de algumas máquinas e outros causos.

São poucas as máquinas que chegam ao museu com suas histórias, motivo pelo qual desejo publicar estas exemplares, digníssimas representantes vivas de um meritório trabalho que alterou a importância da mulher nas lides domésticas.

A confecção doméstica incorporou, além da sua finalidade básica de proteção, uma presença estética, acessibilizando e materializando a cor e a forma, na apresentação às suas comunidades e entre elas.

Além dos enfoques sociais, a inclusão desta nova lide doméstica causou notável mudança dos hábitos de trabalho, com resultados agradáveis e práticos. A introdução deste procedimento, foi concebido também como um lazer, o que promoveu, nas senhoras, um desenvolvimento de raciocínio lógico, com os exercícios aritméticos (combinação de medidas físicas) e interpretações de soluções espaciais (imaginário de modelos e soluções tridimensionais), além de distinta fonte de renda, antes propriedades distintivas masculinas.

 
Família americana (1899), ressaltando a máquina de costurar e os trabalhos executados


Gravura de Carolyn Burton, (1907), retrata a mãe costurando as vestes para o batismo do filho (no berço), em devaneio a imaginá-lo futuramente aplaudido no Congresso (à direita).

O ponto comum em todas as histórias que acompanharam as máquinas que recebi, relatam com destaque esta flagrante importância, realçada com sentimentalista satisfação.

 
Propagandas da época exaltavam as qualidades das máquinas, 
como deste modelo alemão, veiculada na imprensa italiana.

Como ressaltei no início, relato algumas histórias e casos:

“Surpresa aérea”

Há mais de vinte anos, uma senhora residente no interior de São Paulo mandou-me carta, relatando que possuía uma antiga máquina de costurar, marca Noiva, pertencida à sua avó e que desejava vendê-la. Informou ainda que soube de minha coleção através de um parente que trabalhava na Singer do Brasil.
Com base nas informações citadas respondi que a máquina deveria ser preservada na família dela, considerando ainda seu declarado perfeito estado e sendo o valor pedido muito alto para meus interesses.

Dias depois, recebi um telefonema do aeroporto da cidade, informando que alguém havia deixado lá uma caixa para mim.
Para minha surpresa, era a máquina de costurar, uma bela “Noiva” (fabricada pela Dürkopp-Werke AG, no início do século XX, com este nome para exclusiva exportação ao Brasil), em gentil doação.


 
Máquina “Noiva” (Dürkopp-Werke AG)

 
A “Noiva” com o baú de proteção

“Do lixo para a glória”

A maquininha infantil Müller, fabricada em Berlim em 1920, foi encontrada por um transeunte numa sarjeta em Curitiba, no ano de 1991. Após passar de mão em mão e tendo esta história preservada, chegou-me em doação dois anos após.
Somente em 2010 consegui sua perfeita identificação pelo Early Toy Sewing Machines – Glenda Thomas.
 
Não necessitou de restauro, foi apenas realinhada (algum carro a teria amassado levemente) e recuperado seu funcionamento.
Foi preservada sua aparência e a caprichosa história.

 
A pequena (18cm) Müller infantil 1920

“Nonagenária robusta”

Esta máquina Singer, fabricada em janeiro de 1921, em Elizabeth – New Jersey, foi adquirida nova pela Sra. Julia Trevisan Galletti, de São Paulo, logo após seu casamento, para confeccionar o enxoval do primogênito. A filha herdou a máquina após seu falecimento. Sempre em eficaz desempenho, a máquina foi-me doada pela sua gentil neta, em maio de 2011.

Com noventa anos de idade, a máquina não necessitou de restauro, apenas limpeza, regulagem e lubrificação.
As palavras da doadora: “Hoje estou muito satisfeita por saber que esta máquina fará parte do acervo” caracterizam o remate feliz de sua longa história.

 
Singer 1921

“Saudade tangível”

Em meados de 1980, um idoso senhor procurou-me para vender uma máquina de costurar. Era uma Jones Family C. S., inglesa, fabricada em 1917. 
Ao vê-la, surpreendi-me pelo seu impecável estado. Estava simplesmente nova, incluindo um “selo” da loja vendedora.

Questionei-o quanto aos motivos pela guarda de tal imaculada máquina por quase setenta anos.  Informou-me emocionado, que preservou todos os pertences de sua esposa, falecida logo após o casamento, naquela época. Dentre os pertences, conservou até o vestido de noiva!. Tomado de grande admiração pelo seu inusitado ato, adquiri a máquina, com recíproca  satisfação. No ano seguinte ele faleceu.

 
Jones Family C. S

“Quatro esposas e uma nora”

A máquina de costurar, Junker & Ruh, nº de série 132669 (1889), foi adquirida em São Rafael (1890), vilarejo de São João do Polêsine/RS, para a primeira esposa do Sr. J. Felipetto, imigrante italiano.

Ele ficou viúvo por três vezes e suas quatro esposas utilizaram a máquina para as necessidades da família (vestimentas, roupas de cama, cortinas, toalhas e até chapéus de palha de trigo).  A nora da última esposa, demonstrando pendores para a costura, herdou a máquina.

Relatam que a máquina era considerada uma “relíquia viva”, exclusivamente utilizada por aquela que detinha sua posse.  Em 1996, a máquina foi-me doada.
Sua manutenção ao longo dos anos de uso foi tão perfeita que, mesmo após 130 anos, continua em funcionamento, sem requerer restauro.

 
Junker & Ruh,1889

“Linda menina com mais de meio século de idade”

Num vôo Londres – Rio de Janeiro, mantive conversação com uma senhora, paulista, que sentava ao lado. Ao falarmos de museus, inclui minha coleção de antigas máquinas de costurar. Perguntou-me ela se eu não colecionava também as infantis, também comuns naquela época áurea. 
Respondi que ainda não, simplesmente por que nunca houvera oportunidade. 
 
Afirmou-me que possuía uma, marca Bambi, em gabinete de madeira e complementou, afirmando a ganhou que há meio século, no seu nono aniversário. Porém, na mesma época a mãe havia comprado uma, obviamente mais completa, grande, maravilhosa e sedutora. Assim, ela abandonou guardada a “Bambi” e aprendeu a costurar na máquina da mãe.

De maneira direta, perguntou-me se eu gostaria de recebê-la em doação, mas eu não acreditei na eventual conversa de bordo, e esqueci o assunto.
Porém, em menos de um mês, para minha inesperada e magnífica surpresa, recebi pelo correio, a linda maquininha, perfeita tal nova.

A pequena Bambi foi a primeira “menina” da coleção atual de mais de cinquenta máquinas infantis de costurar.


   
                            A “menina Bambi”, aberta                                               ...e fechada

“Quase um século de trabalho sem aposentadoria”

Em 1990, fui procurado por uma simpática idosa, que desejava vender sua máquina de costurar, pois que estava inoperante.
Informou-me que a havia adquirido já usada, há cerca de 40 anos e sempre costurou perfeitamente, porém passou a falhar muito e quebrar agulhas. Vários técnicos teriam tentado em vão consertá-la, porém sem êxito e só restava vendê-la a um colecionador.

Era uma Vestazinha (Fabricada por L.O. Dietrich, em 1920, nº 1644317),
muito bem conservada, com pintura e detalhes ainda originais. a qual adquiri e guardei para posterior análise.

Anos após, desmontei parcialmente a máquina. E, ao conferir o sincronismo do ponto (momento em que a agulha leva a linha superior até “laçar” a inferior) descobri o singelo motivo da falha: a engrenagem do volante estava alguns dentes adiantada em relação ao movimento da lançadeira (inferior). Alguém havia recolocado o volante fora de posição angular, ocasionando a falha de funcionamento.

Após este simples ajuste, a máquina ainda funciona perfeitamente e supre as eventuais necessidades atuais de nossa casa.



A Vestazinha, utilizada hoje pela minha esposa, tal como fazia há quase um século.


“Máquina de costurar avião”

Embora a história tenha comprovado a importância e a versatilidade da máquina de costurar, eu confesso que jamais imaginaria semelhante trabalho para as dignas costureiras do início do século passado:


Trabalhadoras costuram o tecido para asas dos aviões da Royal Air Force, 
na Guerra Mundial de 1919”

E, falando em avião, nosso digníssimo Alberto Santos Dumont iniciou seu aprendizado em mecânica, aos 12 anos de idade (1885) consertando a máquina de costurar de sua mãe, dona Francisca Santos.   Eu iniciei minha simpatia pela mecânica das máquinas da alfaiataria do vovô, aos 8 anos de idade. 


No epílogo desta, minha esposa, sob os recursos da câmera Olympus SP600UZ
 
Prof. Darlou D'Arisbo

Um comentário:

  1. Maravilhoso trabalho. Também sou neta da Dna. Julia Trevisan Galletti, foi minha irmã que teve a ideia de fazer a doação, e hoje vim visitar o site para conferir o trabalho de vocês. Parabéns!

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