segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

As Agulhas e a Memória – Publicação 12

 

O Museu de Antigas Máquinas Manuais de Costurar (MAMC) é um acervo particular e privado, registrado no Ministério da Cultura, que desenvolve pesquisa e preservação deste importante instrumento.

“É vedada a utilização de quaisquer informações contidas em suas publicações,  para fins lucrativos ou comerciais, sem autorização expressa de seu curador, sob pena de indenização judicial.”

   As agulhas

Sabe-se que começamos a costurar há cerca 20 mil anos, durante a última Era Glacial, pois que arqueólogos descobriram agulhas produzidas a partir de ossos afilados, com orifício. Os fios eram finas tiras de couro ou tripas secas. Com estas rudimentares ferramentas costuravam abrigos com peles animais.

Lá por 2.200 a.C., já eram utilizadas por especialistas chineses (Shamans), nas técnicas de espetar agulhas de osso em certos pontos do corpo, para aliviar a dor (acupuntura).

As mais antigas agulhas de aço (ditas “ferro”) da história, foram encontradas em Manching, Alemanha, região ocupada pelos Celtas, no século III a.C.

Na tumba de um oficial da Dinastia Han (202 a.C.- 220 d.C.) foi encontrado um jogo completo de costura, com agulha e “dedal” metálico para proteger o dedo ao empurrá-la.

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Antigas agulhas manuais de aço (superiores) e de bronze (inferior) comparadas á dimensão de um palito de fósforo (acervo do autor)  

A evolução da agulha (assim como a bicicleta e o limpador de para-brisa) não surpreendeu, pois que mantém seu desenho básico até hoje, embora alterado seu friso (calha), posição e dimensão do orifício, forma de ponta,...

A agulha de máquina de costurar, bastante semelhante com as atuais, foi inventada em 1755, pelo alemão Karl Weisenthal, mas como sua malograda máquina não teve êxito, todo o conjunto foi relegado, e esquecido por quase um século.

Elias Howe utilizou modelo semelhante em 1846 (Massachusetts), em sua máquina de costurar. A partir desta, não sofreu mudanças, apenas pequenas alterações específicas para diferentes finalidades.

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Imagens de agulhas antigas (New Domestic, Singer, Wilcox & Gibs)

Como meu acervo é de máquinas de costurar manuais, fabricadas entre 1850 e 1950, muitos modelos e épocas utilizaram agulhas diferentes.

Para o perfeito restauro, seria necessário tornear a parte anterior, mais larga, processo dificílimo pela esbeltez das peças. Tentei reduzi-las por abrasão, no esmeril, situação não menos árdua e perigosa.

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Agulha atual (acima), comparada à utilizada em algumas máquinas antigas (inferior)

Consegui-las atualmente, consiste em árduo trabalho de garimpo por todo o mundo. Visitei sem sucesso alguns antiquários alemães, franceses e suíços. Em Brugges (Bélgica) consegui algumas poucas raridades numa feira dominical, quase a peso de ouro.

Mas todo este relato consiste apenas num prólogo fundamental desta inacreditável e verdadeira história, a seguir.

   A memória

Eu viajava pelo interior de Santa Catarina, proximidades de Blumenau, num dia do escaldante verão de 1997. Ao passar pela pequena cidade de Rio dos Cedros, procurei um bar para beber qualquer refrigerante. Ao sair do estabelecimento vislumbrei uma oficina de máquinas de costurar, o que seria um refrigério também para a alma.

O idoso proprietário vendeu-me duas máquinas antigas e, denotando abatimento, discorreu sobre sua grave cardiopatia e o receio de realizar melindrosa cirurgia reparadora. Perguntei-lhe se possuía agulhas para máquinas antigas, respondeu-me simplesmente que não existem mais.

Conversei longamente com ele, induzindo-o positivamente sobre as vantagens da cirurgia e tentando melhorar seu abalado ânimo.

Segui viagem, mais preocupado com a tristeza demonstrada por ele e a esposa do que pela satisfação das duas máquinas adquiridas.

Mais de uma década depois, ao visitar um amigo em Timbó-SC, passei por Rio dos Cedros. Encontrei a antiga oficina de máquinas de costura e deparei-me com o mesmo proprietário, aparentemente muito rejuvenescido.

Surpreendentemente e sem qualquer palavra, tomou-me pelo braço, abriu uma velha gaveta e retirou de lá um pequeno e velho envelope. Dentro haviam três raríssimas agulhas antigas, já oxidadas pela longa espera de meu possível regresso.

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As raras antigas, comparadas com uma atual

Não consegui sequer balbuciar algo e, pasmo e emocionado, ouvi-o afirmar que aquelas minhas palavras haviam encorajado-o à cirurgia, que resultou em evidente sucesso.

Sua memória, sua dedicação na busca e guarda daquelas raras agulhas por uma dúzia de anos, na tênue esperança de minha remotíssima possibilidade de visitá-lo, são características que excedem à compreensão lógica, situam-se num âmbito irracional, num evidente universo metafísico.

Esta e outras tantas histórias enriquecem nosso acervo de peças físicas, incorporando a elas uma conotação incomum, sobrenatural ou até mística.

“Não terei receio de emocionar-me pelas belas ações e pela bondade dos que me cercam.” (12º Mandamento da Serenidade).

 

Até a próxima

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A Rainha Clementina – Postagem 11

 

Em viagem entre Taquara e Porto Alegre - RS, visitei o Sr. Siegfried, um antiquário (também artesanato, floricultura, ... ), na rodovia, onde sempre encontro alguma máquina antiga.

Desta vez, resgatei uma, em deplorável estado. Certamente esteve submetida à intempéries por décadas.   Além disso, com todo o mecanismo em adiantado estado de oxidação, as peças móveis estavam travadas, assim como se fundidas juntas.

Observei que, apesar da macabra aparência, estava completa (ou quase).  Adquiri a peça para submeter-me ao inacreditável desafio de tentar recuperá-la.

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Aparência deplorável

 

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Mecanismo “encravado”

Dias depois, coloquei-a na bancada da oficina, prendi-a na morsa e tentei retirar os dois parafusos da fronte (cabeçote), após borrifá-los com desengripante. Um deles quebrou (o que era de se esperar), um mau presságio vaticinando a triste possibilidade de transformação em sucata.

Mas, induzido pelo meu incansável anjo da guarda, tentei a retirada do segundo parafuso, martelando uma esbelta talhadeira na lateral de sua fenda da cabeça, para forçá-lo a girar, mesmo comprometendo sua estrutura.  Aparentou rodar um insignificante “micro-ângulo”.

A partir daí, o procedimento foi borrifá-lo novamente e apertá-lo, com uma potente chave de fenda, para que o desengripante penetre. Com muita dificuldade, ele obedeceu no curto movimento positivo e depois (força) no anti-horário. Ele saiu, mas a máquina gemeu. Ouvi dela, algo como um sussurro melancólico, uma esmorecida voz em súplica alemã: “mich’etten, mich retten, michr...” (salve-me,..)

Foi a mensagem suficiente para empenhar-me na desmontagem total.

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Fronte aberta (cabeçote)

 

Semelhantes dificuldades sucederam-se nos dias seguintes, dedicados quase que integralmente ao intento de ressuscitá-la. Diversos parafusos foram quebrados, seus locais e restos refurados, roscas refeitas. Algumas engrenagens tiveram dentes quebrados pelo exaustivo torque aplicado, na ânsia de fazer mover.

Os eixos, solidarizados no bloco pela oxidação, tiveram sucessivos choques térmicos na tentativa de fazerem girar e serem retirados. Outras partes antes móveis, agora sofreram pesada agressão física para aceitarem o temporário divórcio. 

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Alguns teimosos e corroídos parafusos (cinza) e eixos (preto)

 

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Parafusos fixadores de biela, ao lado de pequeno palito de fósforos

 

Mais uns dez dias de longas jornadas, com a oficina tomada por dezenas de ferramentas, vários recipientes contendo solventes específicos (ácido removedor (Remox), fosfatizante, querosene, desengripante,...) com peças mergulhadas (tal um buffet de sopas).

Com o lixeiro cheio de papéis-toalha imundos e luvas de procedimento rompidas, as mãos e dedos feridos, iniciei a montagem...

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Algumas peças do cabeçote (fronte)

 

A decorrência axiomática então se fez presente: as peças desoxidadas (limpas) não mais encaixam!   As engrenagens encolheram seus dentes, os mancais folgaram seus eixos, cames liberaram seus pinos, barras trapezoidais não deslizavam mais nos trilhos encolhidos,...

Mas, sempre que o manto do desânimo e do cansaço ameaçava tolher-me o devotamento, eu lembrava de seu derradeiro sussurro e assim, andava sempre mais um passo.

A adaptação de todas as peças mereceu um trabalho específico e exclusivo para cada uma. Algumas preenchidas, outras desbastadas, alterados encaixes, ângulos, roscas,...

Muitos parafusos foram refeitos e, como já citado, as roscas antigas são atualmente incompatíveis, assim como suas “cabeças”, seus “pescoços”, encaixes,...

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Restaurando os dentes impelentes

 

Algumas peças foram “adaptadas”, retiradas de máquinas doadoras (sucatas), outras foram “inventadas” a partir de inusitados componentes, como o fixador da mesa metálica na base de madeira, construido com um pedaço de agulha veterinária, arruela vedante e a ponta de parafuso inoxidável, unidos com resina epóxi.

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Fixador da base na mesa

 

A base de madeira não fugiu à regra do quebra cabeças, pois foi executada a partir de nove pedaços de diversas outras sucatas. Um bom “olho clínico” poderá identificar a colcha de retalhos, finalmente estruturada e funcional.

A raríssima e linda manopla de louça, também foi doação de outra moribunda.

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Enfim, após muitas voltas de nossa Terra mãe, eis que surge, ao rufar dos tambores surdos e dos moucos clarins, a tão almejada e nobre rainha Clementina (do latim: “a pequena graciosa”).

Seu coração pulsa mais que o meu, gira solene, rompe o silêncio noturno num farfalhar metálico, quiçá por mais um século.

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Imponente, majestosa faz pose, dilacera o protocolo e é ela o próprio cerimonial (Clemens Muller 111.993ª).

Darlou D’Arisbo – fevereiro de 2012

(Em homenagem ao amigo e incentivador Miguel Guggiana)

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

New Home Sewing Machine - Publicação 6

Nosso Museu de Antigas Máquinas Manuais de Costurar (MAMC) apresenta relato sobre a Indústria New Home, de máquinas de costurar.

Thomas White, fundador desta indústria, construiu sua primeira máquina, conforme relatos, em 1870, a qual ele denominou “New England”.

A New Home Sewing Machine Co. foi formada oficialmente em 1876 (Orange, New Jersey) embora, em alguns em alguns documentos, conste 1860, na época da acirrada batalha entre os fabricantes pelo registro de patentes.

A próspera indústria produziu também agulhas e peças para outras fábricas. E, em 1880, sua propaganda informava que era “A melhor máquina já feita”, frequentemente citada como “light running New Home.”

 
Propaganda de jornal (abril de 1889)

Em 1884 a produção atingiu 500 máquinas por dia, incluindo marcas secundárias (New National,..) e, entre 1906 e 1907, a produção foi de 150.000 máquinas, sempre utilizando o logotipo do “Galgo” (cão de pernas compridas, ágil e veloz).

 
Manual de lubrificação (1900)

Os manuais profusamente ilustrados, permitiam às usuárias (iletradas ou com dificuldade de tradução), interpretar suas funções, manutenção e lubrificação.

Em 1920 a empresa começou a perder terreno em relação aos concorrentes, em 1930 a Free Sewing Machine Co. assumiu seu controle, instalando-se em Rockford, Illinois. Cerca de 7 milhões de máquinas New Home estavam em uso em 1937.

 
New Home 1883 (acervo do autor)

Vários modelos foram produzidos, inicialmente manuais, alguns com elegante móvel para guarda dos acessórios. O modelo 914, embora manual, possuía um pedal de segurança, o qual deveria ser acionado para girar a manopla.

Embora construídas em aço de baixa resistência, seu corpo era elegantemente acabado, ornamentado com detalhes dourados e prateados.

 
New Home 1890 (acervo do autor)

O que atualmente seria hilariante, um vistoso certificado acompanhava a máquina, oferecendo garantia por VINTE anos, o que lhe conferia robustez e funcionamento por mais de meio século.

 
Certificado de Garantia por 20 anos

Realmente, sua solidez é confirmada pelas máquinas de nosso acervo, as quais exigiram pouco restauro para seu funcionamento.

 
 New Home 1907 (acervo do autor)

Em 2008, recebemos a doação de uma New Home elétrica, fabricada em 1949. A parte mecânica estava perfeita, com pintura original, decalques... Necessitou apenas limpeza e lubrificação.

 
New Home 1949, requintada e preservada

 
Decalques alusivos às premiações (medalhas de ouro)

Porém o lindo móvel de madeira estava completamente infestado por cupins, o que induziria a descarte imediato, por inutilização e perigo de propagação a outras peças. 
Um longo trabalho de desmonte total, em ambiente isolado e sequente inserção de todas as partes de madeira em freezer, por 10 dias, eliminou a atemorizadora praga.

 
A infestação ocupou toda a parte de madeira

 
O móvel, após completo restauro

 
Capa do Manual de Utilização desta New Home

A Indústria New Home encerrou sua produção com último registro de fabricação em 1955.

O Museu de Antigas Máquinas de Costurar – MAMC agradece por toda e qualquer comentário ou crítica que possa auxiliar na pesquisa e preservação destes importantes instrumentos mecânicos.



“A memória consiste em muito mais do que apenas uma lembrança de fatos, ações ou coisas. Significa sim, uma doce e agradável viagem para um mundo intemporal, onde a vida se perpetua na presença de objetos que fizeram parte da existência de pessoas que já se foram...
Não seria exagero afirmar que a memória histórica é um universo mágico, onde se perde o peso, ao levitar nas tantas informações transmitidas pelas peças de um querido acervo (Darlou D’Arisbo).” 
 
Prof. Darlou D'Arisbo

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Histórias, Causos e Fotos – Publicação 5

O Museu de Antigas Máquinas Manuais de Costurar (MAMC) apresenta, nesta 5ª publicação, relatos que acompanham a história de algumas máquinas e outros causos.

São poucas as máquinas que chegam ao museu com suas histórias, motivo pelo qual desejo publicar estas exemplares, digníssimas representantes vivas de um meritório trabalho que alterou a importância da mulher nas lides domésticas.

A confecção doméstica incorporou, além da sua finalidade básica de proteção, uma presença estética, acessibilizando e materializando a cor e a forma, na apresentação às suas comunidades e entre elas.

Além dos enfoques sociais, a inclusão desta nova lide doméstica causou notável mudança dos hábitos de trabalho, com resultados agradáveis e práticos. A introdução deste procedimento, foi concebido também como um lazer, o que promoveu, nas senhoras, um desenvolvimento de raciocínio lógico, com os exercícios aritméticos (combinação de medidas físicas) e interpretações de soluções espaciais (imaginário de modelos e soluções tridimensionais), além de distinta fonte de renda, antes propriedades distintivas masculinas.

 
Família americana (1899), ressaltando a máquina de costurar e os trabalhos executados


Gravura de Carolyn Burton, (1907), retrata a mãe costurando as vestes para o batismo do filho (no berço), em devaneio a imaginá-lo futuramente aplaudido no Congresso (à direita).

O ponto comum em todas as histórias que acompanharam as máquinas que recebi, relatam com destaque esta flagrante importância, realçada com sentimentalista satisfação.

 
Propagandas da época exaltavam as qualidades das máquinas, 
como deste modelo alemão, veiculada na imprensa italiana.

Como ressaltei no início, relato algumas histórias e casos:

“Surpresa aérea”

Há mais de vinte anos, uma senhora residente no interior de São Paulo mandou-me carta, relatando que possuía uma antiga máquina de costurar, marca Noiva, pertencida à sua avó e que desejava vendê-la. Informou ainda que soube de minha coleção através de um parente que trabalhava na Singer do Brasil.
Com base nas informações citadas respondi que a máquina deveria ser preservada na família dela, considerando ainda seu declarado perfeito estado e sendo o valor pedido muito alto para meus interesses.

Dias depois, recebi um telefonema do aeroporto da cidade, informando que alguém havia deixado lá uma caixa para mim.
Para minha surpresa, era a máquina de costurar, uma bela “Noiva” (fabricada pela Dürkopp-Werke AG, no início do século XX, com este nome para exclusiva exportação ao Brasil), em gentil doação.


 
Máquina “Noiva” (Dürkopp-Werke AG)

 
A “Noiva” com o baú de proteção

“Do lixo para a glória”

A maquininha infantil Müller, fabricada em Berlim em 1920, foi encontrada por um transeunte numa sarjeta em Curitiba, no ano de 1991. Após passar de mão em mão e tendo esta história preservada, chegou-me em doação dois anos após.
Somente em 2010 consegui sua perfeita identificação pelo Early Toy Sewing Machines – Glenda Thomas.
 
Não necessitou de restauro, foi apenas realinhada (algum carro a teria amassado levemente) e recuperado seu funcionamento.
Foi preservada sua aparência e a caprichosa história.

 
A pequena (18cm) Müller infantil 1920

“Nonagenária robusta”

Esta máquina Singer, fabricada em janeiro de 1921, em Elizabeth – New Jersey, foi adquirida nova pela Sra. Julia Trevisan Galletti, de São Paulo, logo após seu casamento, para confeccionar o enxoval do primogênito. A filha herdou a máquina após seu falecimento. Sempre em eficaz desempenho, a máquina foi-me doada pela sua gentil neta, em maio de 2011.

Com noventa anos de idade, a máquina não necessitou de restauro, apenas limpeza, regulagem e lubrificação.
As palavras da doadora: “Hoje estou muito satisfeita por saber que esta máquina fará parte do acervo” caracterizam o remate feliz de sua longa história.

 
Singer 1921

“Saudade tangível”

Em meados de 1980, um idoso senhor procurou-me para vender uma máquina de costurar. Era uma Jones Family C. S., inglesa, fabricada em 1917. 
Ao vê-la, surpreendi-me pelo seu impecável estado. Estava simplesmente nova, incluindo um “selo” da loja vendedora.

Questionei-o quanto aos motivos pela guarda de tal imaculada máquina por quase setenta anos.  Informou-me emocionado, que preservou todos os pertences de sua esposa, falecida logo após o casamento, naquela época. Dentre os pertences, conservou até o vestido de noiva!. Tomado de grande admiração pelo seu inusitado ato, adquiri a máquina, com recíproca  satisfação. No ano seguinte ele faleceu.

 
Jones Family C. S

“Quatro esposas e uma nora”

A máquina de costurar, Junker & Ruh, nº de série 132669 (1889), foi adquirida em São Rafael (1890), vilarejo de São João do Polêsine/RS, para a primeira esposa do Sr. J. Felipetto, imigrante italiano.

Ele ficou viúvo por três vezes e suas quatro esposas utilizaram a máquina para as necessidades da família (vestimentas, roupas de cama, cortinas, toalhas e até chapéus de palha de trigo).  A nora da última esposa, demonstrando pendores para a costura, herdou a máquina.

Relatam que a máquina era considerada uma “relíquia viva”, exclusivamente utilizada por aquela que detinha sua posse.  Em 1996, a máquina foi-me doada.
Sua manutenção ao longo dos anos de uso foi tão perfeita que, mesmo após 130 anos, continua em funcionamento, sem requerer restauro.

 
Junker & Ruh,1889

“Linda menina com mais de meio século de idade”

Num vôo Londres – Rio de Janeiro, mantive conversação com uma senhora, paulista, que sentava ao lado. Ao falarmos de museus, inclui minha coleção de antigas máquinas de costurar. Perguntou-me ela se eu não colecionava também as infantis, também comuns naquela época áurea. 
Respondi que ainda não, simplesmente por que nunca houvera oportunidade. 
 
Afirmou-me que possuía uma, marca Bambi, em gabinete de madeira e complementou, afirmando a ganhou que há meio século, no seu nono aniversário. Porém, na mesma época a mãe havia comprado uma, obviamente mais completa, grande, maravilhosa e sedutora. Assim, ela abandonou guardada a “Bambi” e aprendeu a costurar na máquina da mãe.

De maneira direta, perguntou-me se eu gostaria de recebê-la em doação, mas eu não acreditei na eventual conversa de bordo, e esqueci o assunto.
Porém, em menos de um mês, para minha inesperada e magnífica surpresa, recebi pelo correio, a linda maquininha, perfeita tal nova.

A pequena Bambi foi a primeira “menina” da coleção atual de mais de cinquenta máquinas infantis de costurar.


   
                            A “menina Bambi”, aberta                                               ...e fechada

“Quase um século de trabalho sem aposentadoria”

Em 1990, fui procurado por uma simpática idosa, que desejava vender sua máquina de costurar, pois que estava inoperante.
Informou-me que a havia adquirido já usada, há cerca de 40 anos e sempre costurou perfeitamente, porém passou a falhar muito e quebrar agulhas. Vários técnicos teriam tentado em vão consertá-la, porém sem êxito e só restava vendê-la a um colecionador.

Era uma Vestazinha (Fabricada por L.O. Dietrich, em 1920, nº 1644317),
muito bem conservada, com pintura e detalhes ainda originais. a qual adquiri e guardei para posterior análise.

Anos após, desmontei parcialmente a máquina. E, ao conferir o sincronismo do ponto (momento em que a agulha leva a linha superior até “laçar” a inferior) descobri o singelo motivo da falha: a engrenagem do volante estava alguns dentes adiantada em relação ao movimento da lançadeira (inferior). Alguém havia recolocado o volante fora de posição angular, ocasionando a falha de funcionamento.

Após este simples ajuste, a máquina ainda funciona perfeitamente e supre as eventuais necessidades atuais de nossa casa.



A Vestazinha, utilizada hoje pela minha esposa, tal como fazia há quase um século.


“Máquina de costurar avião”

Embora a história tenha comprovado a importância e a versatilidade da máquina de costurar, eu confesso que jamais imaginaria semelhante trabalho para as dignas costureiras do início do século passado:


Trabalhadoras costuram o tecido para asas dos aviões da Royal Air Force, 
na Guerra Mundial de 1919”

E, falando em avião, nosso digníssimo Alberto Santos Dumont iniciou seu aprendizado em mecânica, aos 12 anos de idade (1885) consertando a máquina de costurar de sua mãe, dona Francisca Santos.   Eu iniciei minha simpatia pela mecânica das máquinas da alfaiataria do vovô, aos 8 anos de idade. 


No epílogo desta, minha esposa, sob os recursos da câmera Olympus SP600UZ
 
Prof. Darlou D'Arisbo

sábado, 23 de julho de 2011

Acervo – Publicação 4

O Museu de Antigas Máquinas Manuais de Costurar (MAMC) é um acervo particular e privado, com mais de duas centenas destes importantes instrumentos mecânicos.

Nesta publicação são apresentadas algumas máquinas do acervo, com considerações peculiares e identificação de número de fabricação.


Clemens Muller (nº 565.660, acervo do autor)

A indústria Clemens Müller, em Dresden, Alemanha, fundada em 1870, tinha como sócios: L.O. Dietrich, G. Winselmann, e H. Kohler, todos depois fabricantes de suas próprias marcas (respectivamente: Vesta, Titan e Kohler).
A Clemens Müller foi a primeira indústria de máquinas de costurar da Alemanha (Dresden), iniciando a produção em 1855.
Em 1875, produziu mais de 100.000 máquinas, incluindo modelos industriais. Este número aumentou para 200.000 em 1880 e, em 1930 a produção chegou a quase 3 milhões de máquinas.  Após a 2ª Guerra Mundial a empresa foi renomeada VEB Máquinas de Escrever e Costurar.
Nosso museu possui três dezenas de máquinas manuais Clemens Müller, todas com alguma diferença (dimensão, formato, base, sistema mecânico,..).

 
Vestazinha (nº 1.644.317, acervo do autor) 

Vesta (deusa romana do fogo sagrado) era fabricada pela LOD (L. O. Dietrich) em Altemburg, Alemanha. Possuimos 16 máquinas manuais Vesta, de diferentes modelos, desde as robustas Dietrich Vesta, até as pequenas “Vestazinha” exclusivas para países de língua portuguesa. A empresa foi formada em 1880, passando a produzir exclusivamente armas na segunda guerra, sendo fechada pelo exército russo em 1946.


Jones Family CS (nº R 604.087, acervo do autor)

Máquina adquirida sem uso (em 1982), de um viúvo, o qual informou tê-la guardado por muitas décadas, após o falecimento da esposa.
A Jones Sewing Machine Co. foi fundada em 1860 por William Jones e Thomas Chadwick, Inglaterra.


O modelo Family CS foi elaborado especialmente para fornecimento à “Sua Majestade a Rainha Alexandra”, entre 1914 e 1920. 


O adesivo da empresa vendedora “B. LAUXEN & CIA – Importadores – Carasinho – R. G. do Sul” comprova sua legitimidade, nunca usada.

 
Noiva (nº 1.526.296 c/ estojo, acervo do autor)
 
O nome “Noiva” era exclusivo de exportação para o Brasil. Fabricada pela Dürkopp-Werke AG. Em outubro de 1867, Nicolaus Dürkopp associou-se com Carl Schmidt, para fundar a Dürkopp & Schmidt fábrica de máquinas de costura. Após 1899 passou a fabricar automóveis.


Singer New Family, 1897 (nº 14.845.650, acervo do autor)
Adquirida em S.Brás do Suaçui - MG, depois restaurada e acervada.



Rhenania 1886 (nº 82.565, acervo do autor)

Fabricada pela “Mes Werdt” em Saalfeld- Rudolstadt, Alemanha. Adquirida em Bento Gonçalves - RS em 1980.


Winselman (nº 2.008.487, acervo do autor)

Em 1892, G. Winselmann renunciou à sociedade na Clemens Müller, formando a sua própria empresa: Winselmann Nahmaschin, também em Altenburg, Saschen, Alemanha.


Willcox & Gibbs 1870 (nº 145.336, acervo do autor)


Detalhe da biela com articulação superior esférica, 
sistema revolucionário para a época.

Willcox & Gibbs, dentre outras inovações, patentearam o ponto em cadeia em 1857, cujo modelo de máquina popular foi sucesso, fabricado por décadas.  Citado na "Publicação 2".

O Museu das Antigas Máquinas Manuais de Costurar, além do acervo próprio, possui oficina de restauro e desenvolve pesquisa sobre a evolução destes instrumentos mecânicos. 

Prof. Darlou D'Arisbo
23 de julho de 2011